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quarta-feira, outubro 29, 2003

o guarani

Saído da escola, onde ainda tentava acabar o curso de Economia, comecei a trabalhar por decisão própria e contrariando a vontade de meus pais que desejavam ver o seu filho de “canudo” em 1968, nos escritórios de numa grande empresa industrial, ali para os lados do Cais de Sodré, em Lisboa.

Iniciei a minha vida activa como aspirante, o lugar mais modesto da carreira de escriturário, de uma secção da área financeira da referida empresa. Cada sala uma secção. Numa sala contígua ficava a secção de tesouraria.

Tinha por hábito chegar cedo. Mas alguém chegava sempre antes de mim. Mais do que ver esse meu colega eu ouvia-o. Com os serviços ainda encerrados ouvia nos corredores o troar de uma voz forte treinando a garganta com fortes vocálicos. Até às 9 horas de todas as manhãs era assim: vocálicos, gargarejos, “dós de peito”.

Chegada a hora de abertura do expediente toda esta azáfama se silenciava. Aquele que tão exuberantemente emitia sons altaneiros dignos de qualquer ópera, transformava-se no chefe de secção, no tesoureiro, no burocrata. E assim passa as longas horas de serviço.

Fui conhecendo aos poucos a figura ímpar do chefe de secção Carlos Jorge, do tenor Carlos Jorge. Carlos Jorge senhor de uma voz colocadíssima foi discípulo do incomparável Tomaz Alcaide e cantou do Teatro de S. Carlos.

Tive a honra e o prazer de o ver representar a figura de Pery da ópera Guarani, da autoria do compositor brasileiro Carlos Gomes.

Ainda não há muito tempo participei num jantar de amigos, de antigos colegas de empresa, onde Carlos Jorge esteve presente. Bem disposto e optimista como sempre o conheci. Amigo!

Carlos Jorge faleceu!

Que a sua voz de tenor emérito continue a ecoar no espaço universal; Que o seu espírito dê mais força aos índios guarani.

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