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quinta-feira, novembro 27, 2003

elmano sadino

Apontamentos dos quereres e sentires do poeta de Setúbal, Manuel Maria de Barbosa du Bocage, na procura de uma verdade impossível de encontrar, o rumo da sua vida. Transcrição de sonetos e de poesias eróticas, burlescas e satíricas


Regresso à vadiagem de Lisboa

Regressado a Lisboa, entrou de novo numa vivência sem eira nem beira, com a família desavinda e dispersa sabe-se lá por onde. È a vida boémia e vadia que o espera. Foi desertor nas Índias e mendigo na China, tendo sido repatriado para Portugal com o estatuto de indigente.

Os amigos estão ávidos pela sua companhia mais pela carga exótica e aventurosa que traz das terras do Oriente do que pelo desejo puro da sua companhia. Contudo, têm que pagar por ele dormida e comida e, especialmente, bebida, muita bebida.

Bocage paga com o improviso e repentismo dos seus poemas, agora burlescos e satíricos, mas sempre de grande qualidade que só bem mais tarde irão ter o devido reconhecimento, pois na altura só justificavam “mais um copo” na esquina da mesa em que se sentava.

Está na forja a Nova Arcádia, constituída por poetas menores que haviam conhecido Bocage noutros tempos. Bocage é convidado a aderir. Na Nova Arcádia Bocage será o Elmano Sadino. Elmano, porque do seu nome próprio (Manuel), troca-se a última sílaba com a primeira (Elmano) e junta-se como segundo nome um adjectivo correspondente à sua cidade natal, Setúbal na foz do Sado (Sadino).


Um tabelião caduco
Com mulher moça casado,
Vai portar no seu estado
Por fé o sinal de cuco:
Como já não deita suco
Por mais que puxe os atilhos,
Não lhe hão de faltar casquilhos
Para a moça amantes novos,
Que lhe vão galando os ovos,
E ele vá criando os filhos.

Ele diz que assim o quer;
Mas de raiva dará pulos,
Vendo que são atos nulos
Os atos que ele fizer;
Sem ter direito à mulher
Que será deste demónio?
Logo então qualquer bolónio
Lhe desmancha o casamento,
Porque não tem instrumento
Com que prove o matrimónio.

Tenha embora muita renda,
Seja lavrador morgado,
Mas para homem casado
Sempre tem pouca fazenda:
É provável se arrependa
A pobre da rapariga,
Que se agatanhe e maldiga,
Quando na noite da boda
Correr a ceara toda,
E não encontrar espiga.


(três das décimas dedicadas a um tabelião velho, que casou com moça nova)

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