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terça-feira, dezembro 23, 2003

prenda de natal

A Carta que veio de Longe

Nesta quadra natalícia os carteiros andam numa verdadeira azáfama, transportando os seus sacos de amizade e tantos sonhos, ao contrário do que acontece em outras épocas do ano, em que a maioria das missivas estão longe dos afectos, tão necessários em qualquer dia do ano.

O carteiro de Vale de Rosal é um homem já idoso, mas muito especial. Chama-se Manuel, o senhor Manel, nome do meu pai de quem, sempre que o vejo, avivo a recordação. Até na sua afável maneira de ser são parecidos. Por outro lado, transporta-se numa bicicleta o que me faz lembrar o “carteiro” de Pablo Neruda, no seu incansável trabalho de transmitir notícias, umas boas outras más, claro está.

Hoje acordei ainda o dia madrugava. Com um inexplicável sentimento de ansiedade ali me quedei horas a fio entre o sono que terminara e o sonho que insistia em manter-se. Aquele estranho estado de vigília, de desassossego, da falta de um sinal para me empurrar para fora da cama.

O sonho desenvolvia-se em círculos infinitos, numa espiral de pensamentos que, cada vez mais, me aproximava da necessidade premente de me levantar, de ir à varanda, de me deixar envolver pelo chamamento insistente do mar.

Na fria manhã, olhei o mar agitado, mar forte, tumultuoso até, que quando chegava à areia da praia, a ganhar as suas primeiras tonalidades doiradas da aurora, se espraiava docemente, borbulhando com suavidade.

O mar estava a contar-me uma história. Conversava comigo nesta alternância de agitação e de suavidade. Pretendia transmitir-me uma mensagem, vinda sei lá de onde, das terras do longe, por certo.

Voltei-me para nascente onde o Sol começava a despontar. Pela vereda que serpenteava entre as terras próximas e descia até minha casa, vislumbrei o senhor Manel que na sua bicicleta se dirigia na minha direcção. Quando cruzámos nossos olhares seu braço erguido começou a agitar com entusiasmo uma carta, dizendo: _ Tenho notícias para si...

Quando chegou à minha beira e me entregou a missiva, sorriu tranquilamente por sentir sua missão cumprida.

_ Veio de tão longe esta carta... mas chegou antes do Natal!

Falou de uma forma que parecia conhecer o conteúdo da missiva, saber que era portadora de notícias agradáveis.

Olhei a carta que havia chegado a minhas mãos com o entusiasmo do senhor Manel. No remetente tinha somente “Lua, algures no Universo”. O destinatário “Vicktor, Vale de Rosal, Praia do Sol”.

Despedi-me do senhor Manel, desejando-lhe muita paz e saúde no seu Natal. Afastou-se levando a bicicleta à mão, pois o regresso era pela íngreme vereda por onde antes tinha descido. Após se ter voltado para trás para um último adeus, abri a carta.

Antes mesmo de retirar as três folhas de papel contidas no sobrescrito o ar ambiente foi inundado por um suave odor a rosas, a rosas vermelhas.

_ É impossível o que está a acontecer... Pensei em voz alta.

Aquele odor que, cada vez mais, impregnava o ar era o odor das rosas de Vale de Rosal. Das rosas vermelhas do meu jardim. Como era possível este odor estar a libertar-se de uma carta vinda de terras do tão longe?

A emanação deste odor tão familiar só se atenuou quando retirei do interior as três folhas de papel escritas de um só lado. Não havia qualquer dúvida. O odor nascia no próprio texto que as folhas trazia escrito e cujo texto comecei a ler. A Espiral.

Li tudo de forma compulsiva. A emoção apoderou-se de todo o meu ser. Estava ali escrito naquele texto, palavra por palavra, a explicação para o sonho que recorrentemente eu tinha desde há vinte, há trinta, há quarenta anos.

Acabara de receber a mais bela prenda de Natal, como o mar já me havia confidenciado.

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