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quinta-feira, janeiro 15, 2004

elmano sadino

Apontamentos dos quereres e sentires do poeta de Setúbal, Manuel Maria de Barbosa du Bocage, na procura de uma verdade impossível de encontrar, o rumo da sua vida. Transcrição de sonetos e de poesias eróticas, burlescas e satíricas


Caminho para a libertação

As sombras e a humidade do cárcere influenciam, definitivamente, a poesia de Bocage, agora carregada de dramatismo. Bocage entra na fase da “poesia séria”. O boémio já era, agora vinha ao de cima dos seus escritos a verdadeira inspiração de alguém preocupado com o social, que retratou de uma forma incomparável.

Humanamente enriqueceu. Deixou para trás a vida boémia, de arruaça e bebedeira, que desenvolvia ali nas imediações do Botequim das Parras. Chorou a vida. Viu-se ameaçado por um cárcere prolongado, talvez para o resto da sua vida.

Bocage recorreu a antigos amigos da Arcádia. Implorou junto dos poderosos. Vendeu a alma ao diabo em troca da sua libertação. Movimentaram-se ministros e fidalgos. Dedica poemas ao Marquês de Abrantes, a uma dama da Rainha, à esposa de um ministro. E que poemas...

Foi chamado a perguntas e versejou:

Portei-me como quem tinha
Para a verdade tendência
Do peso da opinião
Aligeirei a inocência...


Este tipo de quadras era cantado com músicas de fado no Ferro de Engomar, tasca e restaurante ali para os lados do Chinquilho, nas Portas de Benfica, mesmo à saída de Lisboa. Local tradicional da boémia lisboeta, onde os cantantes de fado vadio conviviam com a nobreza. Diz-se que até o Rei por lá aparecia disfarçado de fadista outras vezes embuçado.

Somente como curiosidade, nos anos sessenta e setenta do século passado ainda cheguei a jantar no Ferro de Engomar. Já não era o que teria sido na época de Bocage, mas ainda se respirava boémia e fadistagem.

Soneto 28

Se considero o triste abatimento,
Em que me faz jazer minha desgraça,
A Desesperação me despedaça
No mesmo instante o frágil sofrimento;

Mas súbito me diz o pensamento,
Para aplacar-me a dor que me trespassa,
Que Esse, que trouxe ao Mundo a Lei da Graça,
Teve num vil presepe o nascimento;

Vejo na palha o Redentor chorando,
Ao lado a Mãe, prostrados os pastores,
A milagrosa estrela os reis guiando;

Vejo-o morrer depois, ó pecadores,
Por nós, e fecho os olhos, adorando
Os castigos do Céu como favores.


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