quinta-feira, fevereiro 12, 2004
elmano sadino
Apontamentos dos quereres e sentires do poeta de Setúbal, Manuel Maria de Barbosa du Bocage, na procura de uma verdade impossível de encontrar, o rumo da sua vida. Transcrição de sonetos e de poesias eróticas, burlescas e satíricas
Amores reais (?) de Bocage
Com a publicação das Rimas, Bocage tornou-se famoso, ao ponte de se relacionar com os filhos de Manuel Constâncio, cirurgião no Real Hospital de S. José, casa de quem passou a ser frequente visitante. Todos gostavam de poesia e Bocage, umas vezes triste e brusco, outras transbordando alegria era insinuante e fazia graça. Tudo correu bem até ao momento em que Bocage se adiantou com a Margaridinha, filha do cirurgião, o que levou este com o apoio do confessor a tratarem de afastar Bocage.
Bocage desabafa com Marília nas célebres Verdades Duras, o princípio para de novo cair na alçada da Intendência e da Inquisição. Os amores e desamores de Bocage sempre conduzem a grandes tragédias.
Outra paixão de Bocage, que também se consegue ligar a uma identidade, sobrando sempre a dúvida entre o real e os desvarios do poeta é a Márcia dos Poemas. Terá sido Maria, filha mais velha do árcade António Bersane Leite que em tempos maus de dinheiros e saúde recolheu em sua casa o poeta. Contudo, onde houvesse mulheres havia por certo sarilho com o poeta, mau partido e valdevinos.
Lá mais para o fim da sua vida, passou na vida de Bocage uma tal Amália enigmática, eventualmente uma outra filha de Bersane Leite, a Ana Perpétua.
Todas estas situações amorosas estão envolvidas em denso nevoeiro do conhecimento, pela falta de documentação e pelo desvario com que Bocage misturava a realidade com o sonho e os seus fantasmas. As dúvidas são tanto maiores quanto uma simetria nítida existe entre dois dos seus amores. À rivalidade dos manos Bocage com Gertrudes corresponderia a das manas Bersane com Bocage. Esta simetria era na verdade muito ao gosto literário da época.
A vida de Bocage é então atravessada por uma série de mortes de amigos e de conhecidos, duma pequena sobrinha e de outros familiares. A fatalidade volta aos versos de Bocage e este aproxima-se do “nada”. Tudo é pobre à sua volta, livros e restos de comida vivem em comunhão. Ah Bocage, Bocage...
Soneto 53
Tenta em vão temerária conjectura
Sondar o abismo do invisível Fado,
Que, de umbrosos mistérios enlutado,
Some aos olhos mortais a luz futura.
Presumia (ai de mim!) vendo a ternura
Daquela, que me trouxe enfeitiçado,
Presumia que Amor tinha guardado
Nos braços do meu Bem minha ventura.
Ó Terra! Ó Céu! Mentiram-me os brilhantes
Olhos seus, onde achei suave abrigo:
Quão fáceis de enganar são os Amantes!
Humanos, que seguis as leis, que sigo,
Vós, corações, que ao meu sois semelhantes,
Ah! Comigo aprendei, chorai comigo.
Amores reais (?) de Bocage
Com a publicação das Rimas, Bocage tornou-se famoso, ao ponte de se relacionar com os filhos de Manuel Constâncio, cirurgião no Real Hospital de S. José, casa de quem passou a ser frequente visitante. Todos gostavam de poesia e Bocage, umas vezes triste e brusco, outras transbordando alegria era insinuante e fazia graça. Tudo correu bem até ao momento em que Bocage se adiantou com a Margaridinha, filha do cirurgião, o que levou este com o apoio do confessor a tratarem de afastar Bocage.
Bocage desabafa com Marília nas célebres Verdades Duras, o princípio para de novo cair na alçada da Intendência e da Inquisição. Os amores e desamores de Bocage sempre conduzem a grandes tragédias.
Outra paixão de Bocage, que também se consegue ligar a uma identidade, sobrando sempre a dúvida entre o real e os desvarios do poeta é a Márcia dos Poemas. Terá sido Maria, filha mais velha do árcade António Bersane Leite que em tempos maus de dinheiros e saúde recolheu em sua casa o poeta. Contudo, onde houvesse mulheres havia por certo sarilho com o poeta, mau partido e valdevinos.
Lá mais para o fim da sua vida, passou na vida de Bocage uma tal Amália enigmática, eventualmente uma outra filha de Bersane Leite, a Ana Perpétua.
Todas estas situações amorosas estão envolvidas em denso nevoeiro do conhecimento, pela falta de documentação e pelo desvario com que Bocage misturava a realidade com o sonho e os seus fantasmas. As dúvidas são tanto maiores quanto uma simetria nítida existe entre dois dos seus amores. À rivalidade dos manos Bocage com Gertrudes corresponderia a das manas Bersane com Bocage. Esta simetria era na verdade muito ao gosto literário da época.
A vida de Bocage é então atravessada por uma série de mortes de amigos e de conhecidos, duma pequena sobrinha e de outros familiares. A fatalidade volta aos versos de Bocage e este aproxima-se do “nada”. Tudo é pobre à sua volta, livros e restos de comida vivem em comunhão. Ah Bocage, Bocage...
Soneto 53
Tenta em vão temerária conjectura
Sondar o abismo do invisível Fado,
Que, de umbrosos mistérios enlutado,
Some aos olhos mortais a luz futura.
Presumia (ai de mim!) vendo a ternura
Daquela, que me trouxe enfeitiçado,
Presumia que Amor tinha guardado
Nos braços do meu Bem minha ventura.
Ó Terra! Ó Céu! Mentiram-me os brilhantes
Olhos seus, onde achei suave abrigo:
Quão fáceis de enganar são os Amantes!
Humanos, que seguis as leis, que sigo,
Vós, corações, que ao meu sois semelhantes,
Ah! Comigo aprendei, chorai comigo.