Partilhar
quinta-feira, abril 08, 2004

saramago em almada

O Auditório Fernando Lopes Graça encheu por completo, como sempre acontece nos dias de esplendor cultural. E digo encher completamente, pois os lugares da ampla plateia estavam totalmente ocupados, o mesmo acontecendo com os corredores laterais e com a zona do fundo onde, literalmente, mais ninguém cabia. Uma das pessoas que tinha conseguido entrar, embora tivesse ficado de pé, comentava: _Este auditório já é pequeno! Ao que o pintor Rogério Ribeiro, que igualmente não conseguira lugar sentado, ripostava: _Tem dias, tem dias!

Este era, na verdade, um dia de enchente. José Saramago, mais do que apresentar o seu novo livro, O Ensaio sobre a Lucidez, pois esta já era a décima terceira sessão em que participava, iria falar sobre o conteúdo do mesmo e, o que muitos aguardavam, sobre a razão da temática do livro ser “o voto em branco”.

O vereador da Câmara Municipal de Almada, António Matos, com responsabilidades nas áreas da Cultura, Ensino e Acção Social teve, perante tamanha assistência, razões mas do que suficientes para dizer que estávamos em _Almada capital da Cultura! Como é igualmente uma Cidade da solidariedade e do associativismo. Se bem procurássemos na vasta assistência encontraríamos muitos representantes do movimento associativo almadense, desde sempre alforge da cultura e da luta pela Liberdade.

José Saramago, no uso da palavra, deixou perceber, logo nas primeiras intervenções, que o seu feitio tradicionalmente áspero, que muitas vezes me disse ser um pouco a defesa para a sua timidez natural, estava agora mais macio, mais afectuoso.

Uma criança de tenra idade, sim porque muitas crianças acompanharam seus progenitores para que eles não perdessem a oportunidade desta sessão, começou a chorar de rabugice. José Saramago interrompeu o seu discurso, dizendo para a criança: _Não combinámos que quando chorasses o fazias baixinho? E voltando-se para os pais: _Por favor não saiam da sala com o bebé! Nós nos havemos de fazer entender! Uma forte salva de palmas culminou estas palavras do orador.

Depois falou do livro. De como nasceu a ideia, onde e em que circunstâncias, e contou como o seu conteúdo foi desenvolvido. Saramago considera que atendendo especificamente ao tema este é o seu livro que mais implicações políticas contém, contudo não crê que a intervenção política esmague a obra literária. O livro veio incomodar toda a gente, quer se situe à esquerda, quer à direita, mas o voto em branco está consignado desde sempre como uma possibilidade, sem que ninguém lhe tivesse prestado a devida atenção.

A classe política e os partidos aceitam melhor a abstenção do que o voto em branco. Para a abstenção encontram sempre uma justificação: O tempo está mau; Chove e as pessoas evitam sair de casa; Está calor e as pessoas debandam para a praia; Há os que estão doentes ou os que têm um ente querido doente.

Para o voto em branco a explicação é mais difícil. É um voto expresso com significado político. Não estão satisfeitos e como não encontram nada que os satisfaça, votam em branco. E de quem é a responsabilidade? Das pessoas que votam em branco? Da classe política que só procura satisfazer os mandantes e os seus próprios bolsos?

Saramago afirmou no decorrer da conversa: _Não faço propaganda do voto em branco, digo só numa história que o voto em branco existe; _Se o governo procurasse saber o que se passou não haveria lugar a romance; _Como o governo optou por fazer repressão, então, houve lugar a romance.

Comments: Enviar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?