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quinta-feira, dezembro 02, 2004

lenda da capa-rica - o seu a seu dono

O Jornal de Notícias está a publicar, com a sua edição dominical, a obra em vinte volumes designada “História das Freguesias e dos Concelhos de Portugal”, obra meritória, embora de informação reduzida, baseada nos dados do Censos 2001, os últimos disponíveis.

No I volume constam os concelhos de Abrantes a Almada, pelo que logo tive a curiosidade de ver o que se dizia das freguesias mais próximas da minha residência: Charneca de Caparica e Caparica. Sobre a primeira são apresentados dois temas o que é algo redutor – A Quinta da Rosa e Vasco Morgado e a sua Quinta de Monserrate.

Quanto à freguesia de Caparica são tratados os temas: Convento dos Capuchos e Lenda da Capa-Rica. É sobre este último tema que este meu escrito se debruça. Sobre a Lenda da Capa-Rica, transcrevemos: “...havia no lugar uma velha senhora muito pobre que andava sempre envolta numa longa capa. Um dia, transmitiu à população o desejo de após a sua morte, doar a capa ao rei de Portugal, para que fosse utilizada da melhor forma possível em prol da localidade. Finados os seus dias, a capa foi levada ao rei que, ao abri-la, encontrou um recheio de douradas flores de acácia, colhidas no vasto acacial que ainda hoje existe na zona litoral localizada entre a Trafaria e a Fonte da Telha. Emocionado, o rei ordenou que fosse erigida a Igreja de Nossa Senhora do Monte, conferindo a toda a área a designação de Caparica, derivado do termo capa-rica.”

Ora a lendas tradicionais sobre a povoação Caparica referem sempre que a dita capa-rica continha dobrões em oiro e não flores da acácia. A versão que refere pela primeira vez as flores de acácia e não dobrões de oiro foi escrita em 1999 e houve o cuidado de acrescentar: “Versão ficcionada por Victor Reis”. Esta referência e o respectivo autor foi-se perdendo e, inclusive, a Câmara Municipal de Almada já incluiu esta versão, sem referência do autor, em publicações suas.

Para que conste, aqui transcrevemos a versão da Lenda da Capa-Rica ficcionada por Victor Reis:

Em tempos imemoriais, quando as terras do litoral situadas ao Sul do rio Tejo eram praticamente desertas e inabitadas, casas isoladas e pequenos lugarejos, distantes uns dos outros muitos quilómetros, constituíam a única estrutura habitacional, donde se destacavam dois povoados de maiores dimensões: um no interior, na zona mais elevada, o "monte", e um outro, junto ao mar, a "costa".

No interior, a vida era ganha nos trabalhos da lavoura, na produção de vinho e na exploração dos materiais que os vastos pinheirais produziam, especialmente madeiras e resina, enquanto que junto ao mar as populações se empenhavam na faina da pesca, cuja arte foi evoluindo ao correr dos tempos fruto das influências trazidas pelas correntes migratórias humanas, ora da zona dos avieiros de Ílhavo, a Norte, ora da região de Vila Nova de Milfontes, a Sul.

Conta a tradição, que de pais para filhos vem sendo transmitida, que há muitos muitos anos vivia na região interior uma misteriosa mulher idosa de quem não era conhecida família nem origem e que habitava num velho casebre, isolada de toda a restante população da zona.

Também ninguém recordava quando a velha tinha aparecido pelas redondezas e muito menos ao que viera. O mistério era agravado pelo facto de se desconhecer do que se alimentava pois não lhe era conhecido modo de vida nem fonte de rendimento e, muito menos, alguma vez fora vista na loja adquirindo bens alimentares ou outras compras.
Não tinha amizades, poucas palavras eram ouvidas da sua boca e o seu ar estranho e o desconhecimento da sua ocupação criou o mito entre a população de que ela se dedicava à bruxaria e a estranhos e inexplicáveis ritos.

Uma coisa era certa: Efectuava diariamente longas caminhadas, sendo vista em diferentes pontos da região, distantes entre si de muitos quilómetros, sempre envolvida numa longa capa que lhe ocultava as formas do seu corpo, pelo que ninguém sabia se era bonita ou feia, se esbelta ou disforme.

Na época da Primavera as suas ausências eram mais prolongadas do que no restante do ano e constava entre a criançada que nessa época vislumbravam no interior da sua capa vasta riqueza de moedas de oiro sem fim, daí dizer-se que a sua capa era rica, capa-rica.

Nos finais de Março início de Abril daquela era que a memória das gentes não reteve, sentiu a velha mulher que os seus dias do fim se aproximavam, fazendo então constar o seu desejo de que a capa de que nunca se apartava fosse entregue ao rei de Portugal para que ele lhe desse a aplicação que melhor soubesse servir o Povo.

Quando a velha mulher faleceu, poucos dias depois, a população apressou-se a dar cumprimento ao seu desejo, tanto mais que a sua fama de feiticeira não lhes permitia hesitações, fazendo a entrega da referida capa ao rei de Portugal.

Quando a capa foi presente ao rei e este verificou o seu interior encontrou-a profusamente repleta de douradas flores de acácia, colhidas no vasto acacial que ainda hoje existe na zona litoral compreendida entre a Trafaria e a Fonte da Telha.
Impressionado com tamanha sensibilidade mostrada por aquela velha mulher que tanto sofrera em vida, o rei fez constar da riqueza daquela capa, uma capa-rica, daí o topónimo hoje mundialmente conhecido por Caparica, compensando a população com a construção duma igreja, a Igreja de Nossa Senhora do Monte e confirmando toda aquela região com o designativo de Caparica.

Costa de Caparica - Monte de Caparica - Charneca de Caparica - Sobreda de Caparica - Vila Nova de Caparica - Sto. António de Caparica - S. João de Caparica - Lazarim de Caparica

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