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quarta-feira, janeiro 05, 2005

sentir o povo que vive

O regresso do Fotógrafo

O Fotógrafo regressou à calçada recifense, passado que foi algum tempo e muitos acontecimentos, com a mesma vontade de sentir o Povo que luta por uma vida melhor, de reencontrar a Escritora com olhar de pema e com a boca de pétalas de rosa desenhada.

Debruçou-se no miradouro sobranceiro ao mar, donde tantas vezes tinha olhado o infinito na procura de inspiração e onde, sentado no banco do jardim, aguardou pela manhã a chegada da Escritora para mais uma caminhada calçada acima. Hoje o jardim estava deserto e não tinha tido oportunidade de avisar a Escritora da sua chegada.

Estivera ausente alguns meses somente, mas sentiu-se estranho e só. Talvez porque o miradouro estivesse agora deserto, não tivera o acolhimento dos habituais sorrisos de cumplicidade. Talvez porque a Escritora lá não estivesse o miradouro pareceu-lhe mais sombrio e triste. Decidiu, então, encetar a caminhada calçada acima.

No primeiro boteco da esquina tomou um café bem quente, era quase um ritual, e deixou o líquido escuro aquecer-lhe lentamente o estômago e a alma. Sentiu um novo ânimo, foi ao encontro da multidão que se deslocava para os empregos ou ao mercado para as compras matinais.

Como é possível alguém se sentir tão só no meio de tamanha multidão? Pareceu-lhe vislumbrar a silhueta da Escritora naquele aglomerado de gente. Estugou o passo na sua direcção, ainda fez o gesto de lhe tocar no ombro, de lhe chamar a sua atenção. Contudo, não passava de uma mera ilusão. De outra pessoa se tratava.

Na sua caminhada, parou junto à vidraça de uma loja e viu-se nela espelhado pelo efeito da luz matinal. Estava, na verdade, um pouco mais curvado e o branco ocupava quase totalmente o seu cabelo, agora cortado um pouco mais curto.

Temeu que o passar do tempo o tornasse estranho para a Escritora. Mas os projectos de “escrever com a câmera fotográfica” e de “fotografar com os olhos de poeta” ainda estavam incompletas. O Fotógrafo continuou a subir a calçada com esperança no olhar.

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