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terça-feira, novembro 01, 2005

tradição e cultura popular

A tradição resulta da memória colectiva de um Povo, autêntico património invisível que se transmite entre gerações e representa o mais elevado expoente da cultura popular. Aqui se deseja dar conta desse repositório


O Pão por Deus

As nossas crianças, os meus netos, os miúdos da cidade nunca conheceram a magia do "pão por Deus" que fazia andar bandos de crianças no dia 1 de Novembro, dia de Todos os Santos, de porta em porta, de vizinho em vizinho, pedindo figos, nozes e outras guloseimas.

_Ó Vizinha, dê o “Pão por Deus”!

O consumo desenfreado e a globalização económica geram o esquecimento das coisas simples e da nossa tradição. Mas valerá sempre a pena, apesar de tudo, pedir o “pão por Deus” numa cabeça de abóbora ou num chapéu de bruxa.

Mas na tradição portuguesa o “pão por Deus” era guardado num saquinho de pano que tempos antes a nossa mão ou a nossa avó preparavam com todo o cuidado com uma sobra de chita de algum trabalho de costura.

Ainda hoje nas aldeias mais recônditas, de manhã bem cedinho, no dia de Todos os Santos, as crianças saem à rua em pequenos grupos para pedir o "Pão por Deus". Caminham assim por toda a povoação e ao fim da manhã voltam a casa com os sacos de pano cheios de romãs, maçãs, bolachas, rebuçados, castanhas, nozes e, por vezes, até dinheiro.

Esta prática era realizada por miúdos de famílias mais modestas e procuravam sempre visitar os mais ricos da terra para poderem trazer algumas guloseimas que noutras épocas do ano nunca conseguiam obter. Recordo-me que havia o costume de confeccionar para oferecer nesta época uns bolos em formato de ferradura e com um agradável sabor a erva-doce.

Estas andanças de porta em porta eram sempre acompanhadas com cantilenas que continuam na memória colectiva

"Pão por Deus,
Fiel de Deus,
Bolinho no saco,
Andai com Deus."


Ou então, como me recordou a minha boa amiga Sonyah:

"Bolinhos e bolinhós
Para mim e para vós
Para dar aos finados
Qu'estão mortos, enterrados
À porta daquela cruz

Truz! Truz! Truz!
A senhora que está lá dentro
Assentada num banquinho
Faz favor de s'alevantar
P´ra vir dar um tostãozinho."


(quando os donos da casa dão alguma coisa, vem a resposta...)
"Esta casa cheira a broa
Aqui mora gente boa.
Esta casa cheira a vinho
Aqui mora algum santinho."


(quando os donos da casa não dão nada, é a ira da miudagem...)
"Esta casa cheira a alho
Aqui mora um espantalho
Esta casa cheira a unto
Aqui mora algum defunto."

Comments:
Aqui no Brasil esta tradição cultural, trazida pelos imigrantes açorianos, passou a ser utilizada entre os enamorados para pedir amor.
A pureza destes costumes davam a vida simples do nosso povo, o mais belo dos encantos, com o envio do pão-por-Deus. Esta comunicação singela e romântica em forma de mensagens de amor, simpatia e amizade eram escritas em lindos papéis rendilhados, coloridos, em forma de coração, ou de acordo com a sensibilidade artística de cada um.
Hoje, como professora de Língua Portuguesa, busco resgatar junto aos meus alunos um pouco desta cultura.
Angelina - Santa Catarina - Brasil
 
Querida Angelina
Belo trabalho que estás a realizar na defesa do património imaterial das gentes dos nossos países.
Goataria muito de ter acesso a um desses klindos papéis rendilhados, nem que fosse uma imagem.
Espero receber mais saberes sobre a tua actividade.
Beijinhos.
 
Em uma pesquisa feita por meus alunos eles gravaram as seguintes frases, que ouviram das pessoas que viveram esta tradição:

“Primeiro eu chegava até a pessoa fazia um versinho
com o nome dela e pedia (de boca mesmo). Esperava uma semana, se ela não correspondesse eu fazia o coração e mandava pedir novamente”. (Moradora de Imaruí, 76 anos).

“O pão-por-Deus tinha formato de coração. O coração era rendado e no papel de seda, colorido. Dentro tinha quadrinhas amorosas que mandavam para os namorados, padrinhos.”
(moradora de Laguna, 65 anos)

Também conseguimos resgatar alguns versos:

"Lá vai meu coração
Que agora não posso ir
Neste rendilhado papel
Pão-por-Deus mando pedir".

"Lá vai meu coração
No carro do tio Silvério
Vai encontrar com Renato
O meu amor eterno".

"Lá vai meu pão-por-Deus
Nas asas de uma andorinha
Vai pedir o pão-por-Deus
A minha amada Belinha".

"Eu mando este pão-por-Deus
Me lembrei da tradição
Está gravado o teu nome
No fundo do meu coração".
 
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