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domingo, janeiro 08, 2006

minha terra é meu sentir

Caparica mais do que uma terra é um Povo. Gente que construiu vida entre o mar e a floresta em diversificado labor. Da sua vivência aqui se regista testemunho


As Janeiras da Charneca

As Janeiras são cantadas, de porta a porta, entre o primeiro dia do Ano e o Dia de Reis, que se comemora a 6 de Janeiro de cada ano. Em muitas localidades, contudo, estes cantares prolongam-se até finais do mês de Janeiro.

Numa quadra festiva marcada principalmente por eventos religiosos, Cantar as Janeiras dá um cunho pagão e de intervenção social onde o Povo tem a palavra. As Janeiras são cantadas, de porta a porta, especialmente para os ricos e os senhores do poder a quem são dirigidos, em tom festivo, críticas e pedidos que procuram encontrar bom eco e respostas adequadas.

Supõe-se que as Janeiras estejam relacionadas com os cultos pagãos, desenrolando-se no mês do deus romano Jano, de Janua que significa porta, entrada. Esta figura da mitologia romana, representada com duas caras, encontra-se fortemente ligada à ideia de entrada mas, muito em especial, à noção de transição, de conhecimento do passado e do futuro.



A origem da tradição de cantar as Janeiras não se pode, contudo, dissociar da penúria em que as pessoas, de um modo geral, viviam, encontrando nesta e noutras manifestações semelhantes um meio de obterem alguma dádiva, principalmente, vinho e alimentos, dos senhores abastados, sem que, com isso, se sentissem humilhadas.

Para isso, cantavam as Janeiras, num misto de religiosidade, atendendo à época em que são cantadas, e de ironia e mordacidade sempre com um apelo à dádiva de comes e bebes.

No decorrer das cantorias são evocados, normalmente, o dono e a dona da casa e alguma outra figura que tenha preponderância familiar.

A tradição de cantar as Janeiras na Charneca de Caparica perde-se nos fumos dos tempos e da memória, mas estabelece sempre uma estreita ligação entre o mar, ali tão perto, e a actividade das pessoas, mais ligada aos campos, actividade rural, pois o mar era difícil de domar, era mar macho, na grande maioria dos meses do ano, facto agravado pela fragilidade das embarcações de então.



Durante muitos anos caiu esta tradição no esquecimento dos charnequenses, tal como aconteceu com outros “usos e costumes”. Em boa hora, faz agora 13 anos, António Bizarro, musicólogo há muito radicado na Charneca de Caparica, recolheu da tradição e adaptou à realidade contemporânea este singelo cantar que ainda hoje se fez ouvir em diversos locais desta povoação.

Ainda agora aqui cheguei
Já pus o pé na escada
Logo o meu coração disse
Aqui mora gente honrada.

Boas Festas, Boas Festas
Boas Festas de alegria
Que as manda o Rei do Céu
Filho da Virgem Maria.

Viva lá senhor ...
Sua cara é de sol
Coberta de diamantes
Com safiras ao redol.

Levante-se lá senhora ...
Do seu banco de cortiça
Venha-nos dar as Janeiras
Ou de carne ou de chouriça.

Viva lá senhor ...
Raminho de bem querer
Se a sua pipa tem vinho
Venha nos dar de beber.

Acabadas estão as festas
Embora venham os Reis
Vede lá por vossas casas
As Janeiras que nos deis.

Tradição à parte, hoje em dia, são visitadas igualmente entidades associativas e de apoio social, numa perspectiva de prestar homenagem ao seu trabalho e, igualmente, animar os mais velhos que se encontram em lares, nesta fase da vida com grandes dificuldades de se deslocarem. Assim, os Cantares vão até eles dar-lhes um pouco de animação.



As cantorias deste ano foram entoadas pelo grupo do “Cantar as Janeiras”, pertencente ao Clube Recreativo Amigos da Quinta da Saudade, a que este ano se juntaram as vozes únicas de Luisa Bastos e de Isabel e a sensibilidade do poeta e músico João Fernando. Aqui fica a letra de um cantar que foi dedicado no decorrer do “Cantar as Janeiras” à povoação de Charneca de Caparica:

Charneca, linda Charneca
Charneca de Caparica
Um jardim em cada casa
Mas que bem que te fica.
Charneca, linda Charneca
Charneca de Caparica
Tens p’ra todos um abraço
De amizade muito rica.

Quem passar p’ra outra margem
Seguindo a via do Monte
Tendo atenção à rodagem
Há-de encontrar uma ponte.
Se virar p’ro lado esquerdo
Não tem nada que enganar
O caminho é sempre em frente
E vai mesmo lá parar.

Charneca, linda Charneca
Charneca de Caparica
Um jardim em cada casa
Mas que bem que te fica.
Charneca, linda Charneca
Charneca de Caparica
Tens p’ra todos um abraço
De amizade muito rica.

Há quem chame a esta Vila
O lugar da felicidade
Porque o ar que cá se inspira
Tem sabor a liberdade.
Mesmo juntinho à praia
Continua a ser rural
Conserva em toda a raia
Um belo e extenso pinhal.

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