Partilhar
domingo, maio 27, 2007

a lecas

do meu baú de memórias
Relembrar algumas das memórias que se encontram bem lá no fundo do baú onde guardamos recordações de situações vividas há muito ou que nos foram contadas pelos mais velhos



Tempos despreocupados esses, especialmente, quando chegava a época das férias de Verão. Passadas as preocupações escolares, abria-se agora espaço para a liberdade de movimentos quando, acompanhado da minha avó Esménia, ia passar o período de descanso anual à “terra da minha Mãe”, como sempre dizíamos.

Anos 50 meados, do século passado, lá íamos nos princípios de Julho na camioneta do Barraqueiro, que fazia a ligação rodoviária, lenta e encalorada, entre a Rua da Palma, em Lisboa e as duas opções de destino – Colaria ou Turcifal. Qualquer que fosse o destino da camioneta estariam garantidas algumas horas de caminhada a pé, por atalhos e veredas, até chegarmos a Fernandinho.

Fernandinho era a terra natal de minha Mãe, onde ainda viviam à época os irmão e uma tia avó, a tia Conceição, na casa de quem sempre tínhamos guarida. Dormida, comida e muito espaço para correr e brincar, nos vinhedos, nos pomares ou no local da eira ainda hoje bem gravado na minha memória.

Quando chegávamos, chegava connosco os ares da cidade. A pouco mais de cinquenta quilómetros de Lisboa, tudo parecia tão distante naquela época. Era a agitação dos reencontros familiares, do percorrer a rua única, de terra batida e empedrada aqui e ali, e bater a todas as portas. Além da família mais chegada, os tios e as tias, todos os outros habitantes eram primos por tradição.

Com os meus onze ou doze anos de idade, despontavam aquelas paixonetas pelas moçoilas mais velhas, que achavam muita graça mas a que eu dava uma importância desmedida. Recordo-me da Anunciação, mulher feita passados já os vinte anos, e que tanto gostava de conversar comigo. Eu ficava encantado e sonhava, sonhava.

Em tempos de descamisada, que noutras regiões do País se designa por desfolhada, retirar o folhelho (“carapela”) às maçarocas do milho, era festa garantida noite fora. Música, cantares e também bailares e o beijo desejado quando saía o raro milho-rei (maçaroca de cor mais escura). Tempos desejados, ponto alto nas tarefas campesinas.

Um dia numa dessa festas de desfolhar o milho, apareceu uma moça das redondezas, dum dos casais que eram pontos de vivência nos campos amplos e vastos, recordo ser o Casal do Cego, percebendo-se bem a origem do topónimo. O seu nome – Lecas!

Foi paixão forte à primeira vista, não correspondida é evidente pois a diferença das idades era por demais marcante. Mas os miúdos têm estes sentires desde tempos imemoriais. Curiosamente, não foi uma paixão de Verão. Anos após anos aquela figura esbelta, a sua alegria contagiante se manteve na minha memória.

Fui sempre sabendo da sua vivência feliz, para minha felicidade.

Hoje, no caminho para os bonitos 80 anos.... mãe, avó, quase bisavó, é a mesma figura de encantamento de outrora. Encontrei-a o ano passado e senti uma emoção enorme.

Etiquetas:


Comments: Enviar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?