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quarta-feira, agosto 22, 2007

telefonia da marca raymond

Tempos da rádio
O meu amigo Repórter, do Pó de Ser, deu o mote ao publicar um texto intitulado “A minha paixão nunca antes confessada” onde evoca a memória do muito que a “rádio com gente dentro” foi antes do advento da pressão das multinacionais dos média e da forma encapotada de censura que são as designadas “playlists”.

Trouxe-me à memória dos tempos idos a minha breve incursão amadorística por territórios da radiodifusão, da telefonia e da telefonia sem fios, do encantamento da comunicação bidireccional e da interactividade entre o emissor e os ouvintes, os radiouvintes, como há época se dizia.

Aqui vou registando essas memórias ao ritmo das recordações.




Ao fundo do corredor que durante algum tempo serviu de pista ao meu carrinho branco movido a corda de elástico havia uma porta, à esquerda, que dava para a casa de jantar, onde igualmente existia um recanto que poderíamos chamar “sala de estar” e uma janela para a rua mesmo ao nível do passeio, pois a nossa casa era o que então se chamava cave, hoje banida dos projectos de construção que reservam essa zona para garagens subterrâneas.

Nesse recanto da casa de jantar existia uma telefonia, entretenimento familiar, numa época em que a magia(?) da televisão ainda não tinha chegado a Portugal.

A telefonia, da marca Raymond, possuía uma enorme panóplia de comprimentos de onda, desde a onda longa à onda curta, passando pela onda média, somente em amplitude modulada e numa outra forma de recepção que se não conseguia perceber e, que á época, ninguém tinha explicação para tal.

Curiosamente, essa telefonia, com mais de cinquenta anos de existência, ainda funciona perfeitamente.


Em determinados dias da semana e sempre à mesma hora a família, bom... meu pai, minha mãe e minha avó e eu também porque fazia parte da família mas não percebia o ritual, juntava-se à volta da telefonia com um ouvido bem junto do altifalante para ouvir um homem falar. A voz do homem nem sempre era a mesma e tinha um sotaque diferente do nosso.

O silêncio era imperioso e sempre que alguém tentava dizer algo, era sempre eu, meu pai emitia um imperioso “ssshhheee olhem as escutas!”

Poucos anos mais tarde vim a perceber todo aquele ritual. Meu pai que eu vira sempre a trabalhar trabalhar trabalhar na sua profissão de empregado de balcão ou a servir à mesa ao Domingo num restaurante para ganhar mais uns escudos, nunca ligado a preocupações políticas, não perdia ouvir as emissões em português na onda curta da BBC e da Rádio Moscovo.

Estávamos em plena época da ditadura salazarista, defendida por uma repressão feroz e embora a família não resistisse a ouvir emissões de rádio contra o regime, temiam ser detectados por um pide à época muito activos ou por um carro de escutas rádio que se dizia detectarem quando alguém estava a ouvir emissões consideradas pelo regime clandestinas.

Ainda hoje consigo sintonizar no complicado mostrador a frequência da BBC. A da Rádio Moscovo está calada há muitos anos. O rádio Raymond ainda cumpre a sua função de telefonia.

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Comments:
Tempos em que a comunicação existia, em face da bidirecionalidade.
Quando assim não é, a comunicação não acontece.

A onde curta, ainda no éter, forneceu alguns momentos de quem estava interessado em dizer a verdade.
Ao contrário de um tal senhor (do que em me fui lembrar) Ferreira da Costa, que a censura obrigava a dizer, nas suas reportagens de Angola, que os soldados portugueses estavam bem, bebendo cerveja a seu lado, quando em muitos casos eram já cadáveres.

Mas isto dava pano para mangas e compridas.

Um abraço pela lembrança aqui trazida, Victor.
 
Amigo Repórter
Tempos bonitos de trabalho e de luta. O meu amigo tocou na porta deste baú de memórias e aqui as vou partilhando. Um abraço.
 
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