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segunda-feira, abril 28, 2008

o vendedor de alfaias

Chega sempre ao nascer da aurora, quando os primeiros raios de sol aclaram o firmamento lá para os lados da Azoia, a horas em que o amplo arraial ainda se encontra sem viva alma.

Estaciona a velha carrinha, cansada de tanto andar para aqui e para ali, a chapa carcomida pela exposição continuada às intempéries, no local habitual, um ponto onde se cruzam as linha imaginárias que ligam a entrada do Santuário ao mar e a Capela da memória à torre de farol.

Recorda-se que sempre foi esse o local escolhido para instalar a sua venda domingueira, tal como o fazia seu pai e, se a memória não o atraiçoa, o próprio avô paterno.

A razão da escolha deste local não tem não a tem na sua memória. Sempre assim foi, é o hábito, a tradição, um costume enraizado que não ousa, sequer, questionar, quanto mais alterar.

Para a venda leva cópias de antigas alfaias agrícolas construídas em madeira, arados, malhos e pás de eirar, gadanhas, gradadoras... Algumas das peças são quase em tamanho real, muito embora a maior procura seja para aquelas que reduzidas à escala vão servir mais para decoração do que para utilidade. Mas, o que mais vende são as miniaturas colocadas em artefactos e que irão servir como porta-chaves.

Quando os visitantes começam a chegar ao Cabo, em grupos excursionistas ou em carros próprios que em pouco tempo saturam os estacionamentos, já os artigos estão expostos em enormes mantas de trapinho que se houver comprador interessado também elas mudam de mão.

Nessa altura a fazer-lhe companhia já estão as bancas de conchas do mar, na maioria vindas da Indonésia e do Suriname, as “roulottes” dos cachorros quentes e das farturas, e até o vendedor das queijadas de Sintra, que da Caçapa já não são.

Está montado o arraial, a festa está animada, a tradição de visitar o Cabo Espichel, onde o mar da costa portuguesa é mais perigoso, e o Santuário da Senhora do Cabo, ou da Pedra Mu, onde a lenda diz terem-se encontrado “o velho de Alcabideche e a velha da Caparica”, mantém-se, perdida para muitos a memória da razão de ser da peregrinação que para esses lados se realizava.

Também o vendedor de artesanato das alfaias agrícolas que todos os domingos se desloca ao cabo Espichel em negócio perdeu a memória da origem da ida dos seus antepassados com essa mesma venda. Como refere o Professor Victor Manuel Adrião, em “O Giro do Círio dos Saloios”, no final dos três dias do Círio ao Santuário de Nossa Senhora do Cabo “...sucedia-se a entrega das alfaias, lavrando-se acta do sucedido, assinada por todos os presentes”.

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