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terça-feira, dezembro 23, 2008

recolher pinhas

Na quadra natalícia que atravessamos que muitos dos habitantes da Charneca de Caparica só distinguiam, absortos que andavam nas suas tarefas diárias de cuidar dos campos, pelo clima que era cada vez mais agreste e pelo rugir do mar para lá da arriba fóssil, era tempo de recolher na Mata dos Medos, que era igualmente Pinhal d’El Rei, os rabiscos de pinhas e os pedaços de troncos que dos pinheiros se tinham solto.

Era invernia dura de suportar a quem vivia em casebres toscamente construídos, era o agravar das coisas desde o Agosto, primeiro de Agosto primeiro de Inverno reminiscências de calendários coevos que na cultura do povo foram permanecendo embora o tempo crispado somente depois de Outubro se sentisse com maior impertinência.

Numa necessidade interior de sentir a recreação dessas idas ao pinhal pela gente do povo que dessa forma recolhia alguma lenha para queimar nas lareiras ou nos fogões de cozinha dando um pouco mais de aconchego ao lar, caminhei até à mata, à Mata dos Medos, com a silhueta do Monte da Lua à minha direita e a do Promontório Barbárico à esquerda, abrindo espaço ao azul profundo do mar até à linha do horizonte.

Uma vastidão de verde cobre todo o terreno que no Verão era seco e árido. Trevos e chorões escondem uma camada imensa de húmus onde, aqui e ali, despontam cogumelos selvagens, desprendendo um intenso odor de humidade e de bolor, mas que são seiva para as centenas de espécies de flores selvagens que irão dar colorido na época do renascer.

Curvo-me sobre o solo para recolher o rabisco de pinhas que resta do Verão passado e sinto o mesmo chamamento telúrico que os meus antepassados teriam sentido. A atracção da terra no seu todo, a vida existente em cada centímetro quadrado desta mata que deliciou os reis e que serviu para acoitar ladrões e foragidos da cidade.

Regresso já com o sol a descer no oceano, onde “os caranguejos o irão comer”, fim de tarde tranquilo mas onde a vida continua a ser preponderante. No ponto mais alto de um pinheiro decrépito um corvídeo está alerta enquanto no solo duas fêmeas esperam no eterno trio de corvídeos do pinhal.

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