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domingo, maio 17, 2009

sentir-se livre

Foi sempre um pássaro sem gaiola, desde que de si próprio tem sentir e conhecimento. Começou a trabalhar para ajudar ao sustento da casa ainda menino, contribuindo para reduzir as carências do seu lar, o que lhe deu bem cedo um elevado grau de independência que o seu progenitor aceitava, desde que os parcos escudos que ganhava entrassem para o orçamento familiar.

À escola pouco foi, pois primeiro estava o ofício, e os incentivos para aceitar estar “preso” entre quatro paredes da sala de aulas não existiam. Aprendeu a ler e a escrever, a fazer contas também, mas quedou-se pela designada “4ª classe” que a isso a lei dos homens obrigava.

Não tinha horas de entrar em casa, ele que tão menino era, nem sequer dava satisfações à família. O importante era de manhã bem cedo estar pronto a fazer a caminhada, por vezes de seis ou sete quilómetros que o levava até ao local de trabalho, caminhando sozinho por carreiros e atalhos para as pernas poupar.

Aquela prisão do horário de trabalho incomodava a sua maneira de ser e de viver a vida. Logo que a idade o permitiu e quando de aprendiz já tinha passado começou a trabalhar por conta própria. O rendimento não era tão certo e seguro, mas sentia-se livre como sempre desejava continuar a ser.

Nem o casamento, por amor o foi certamente, lhe refreou o desejo de liberdade. Horas de chegar a casa não existiam e a companheira logo se habituou à situação. Na verdade não haviam maus tratos como tantas mulheres à época em surdina se lamentavam e sempre entravam a horas os rendimentos do trabalho.

O vinte e cinco de Abril veio trazer-lhe liberdade a forma de verbalizar o que desde sempre sentia – uma enorme repulsa à “longa noite fascista” – e dedicado ao associativismo pouca atenção dava ao lar, pouco parava junto dos seus, vivia a “sua” liberdade, desde menino construída. Os anos foram passando, o cabelo branco cobriu-lhe a cabeça e o cansaço da vida dele foi tomando conta.

Nos alcatruzes da vida, que tanto nos leva ao topo como logo nos empurra para as profundezas do poço, a doença chegou-se à sua companheira de sempre, agarrando-a a uma cadeira de rodas totalmente dependente. Viu-se a sós com tamanho problema, sentiu que a liberdade era desta forma atroz cerceada para sempre.

O corpo pedia-lhe liberdade, não ter horas de regressar a casa, não aceitar condicionalismos de ninguém. Mas as preocupações falavam mais alto, o espírito não mais teve sossego, nunca mais sentiu a liberdade.

Um dia confessou-me que até pensamentos estranhos lhe passavam pelo sentir.

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Comments:
Cada um de nós bem sabe o que lhe vai lá dentro! Quem teve bem cedo de encarar a vida cara a cara, não gosta de "arreios"! Bem bastam os que bastam, ou seja, aqueles que temos de usar para ganhar a vida, ainda que por vezes, nos apeteça sacudi-los! Afora isso nada de grilhões, mas a vida, por vezes prega-nos partidas, ainda assim, viver é maravilhoso!
 
Somos fadados para "missões", acho!
Quando alcançada uma meta, em frente está uma curva para outro(re)inicio.
Hoje tou complicada,eu...
 
Querida Milu

É bem certo o que dizes... mas tal situação provoca uma luta interna extremamente atroz que eu tive oportunidade de me aperceber em contacto com este amigo.

beijinhos.
 
Querida MagyMay

Não estás complicada, não... é assim mesmo. Quando pensamos que tudo está bem uma nova rasteira na vida nos espera. Temos mesmo é que continuar...
Beijinhos.
 
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