Partilhar
terça-feira, setembro 15, 2009

bocage faz hoje 244 anos, viva!

Faz hoje 244 anos, a 15 de Setembro de 1765, nasce em Setúbal, na rua de Bartissol, aquele que viria a ser a figura mais controversa da sociedade da época. Irreverente e satírico, todos estavam sujeitos à sua escrita rija e contundente, mesmo as figuras mais gradas do reino onde o clero estava incluído.

Devasso mas sofredor, marginalizado por uma sociedade relativamente à qual se encontrava com décadas de avanço, nunca deixou de escrever o seu sentir com o gosto e a antena de escândalos que desde muito jovem o acompanharam.

Representa o expoente máximo pré-romantismo literário em Portugal, que há época vivia ainda a plenitude do classicismo quando há muito na Europa sopravam ventos do romantismo.

Os seus sonetos são sublimes...

“Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte, sem beleza, e sem brandura,
Urdidos pela mão da desventura,
Pela baça tristeza envenenados:

Vede a luz, não busqueis, desesperados,
No mundo esquecimento e sepultura:
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados.

Não vos inspire, ó versos, cobardia,
Da sátira mordaz o furor louco,
De maldizente voz a tirania:

Desculpa tendes, se valeis tão pouco,
Que não pode cantar com melodia
Um peito, de gemer cansado, e rouco.”



Nem para ele próprio a sátira foi mais leve...

“Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão n’altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades,
(Digo de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;

Eis Bocage, em quem luz algum talento:
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.”



Muito menos para os seus versos magníficos:[uma interessante adenda da minha querida amiga Sara, do Carpe Diem]

Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte, sem beleza e sem brandura,
Urdidos pela mão da Desventura,
Pela baça Tristeza envenenados:

Vede a luz, não busqueis, desesperados,
No mudo esquecimento a sepultura;
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados:

Não vos inspire, ó versos, cobardia
Da sátira mordaz o furor louco,
Da maldizente voz e tirania:

Desculpa tendes, se valeis tão pouco,
Que não pode cantar com melodia
Um peito de gemer cansado e rouco.




Alguma bibliografia bocagiana (da biblioteca da Oficina das Ideias)


Bocage
Hernani Cidade
Lello & Irmão, Porto, 1936 – 104pp

Sonetos
Bocage, introdução selecção e notas de Vitorino Nemésio
Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1961 – 88pp

Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas
M. M. De Barbosa du Bocage, baseada na publicação de Paris de 1911
Editora Escriba, São Paulo, 1969 – 178pp

Bocage, Obra Completa, Volume I – Sonetos
Edição de Daniel Pires
Edições Caixotim, 2004 – 411pp

Bocage, Obra Completa, Volume VII – Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas
Edição de Daniel Pires
Edições Caixotim, 2004 – 185pp

Bocage, Obra Completa, Volume II – Cantatas, Canções, Idílios, Epístolas, Odes e Cantos
Edição de Daniel Pires
Edições Caixotim, 2005 – 332pp

À descoberta de... Bocage
Sector de produção editorial
Texto Editores, 2006 – 44pp

Bocage, a vida apaixonada de um genial libertino (romance)
Luis Rosa
Editorial Presença, 2006 – 219pp

Etiquetas: ,


Comments:
Ena tantos!

Amigo, não sabia que Bocage fazia anos. Um bom momento para comemorar-nos este excelente e mordaz pensador. E não há nada melhor do que deixar o autor falar dos seus versos:

Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte, sem beleza e sem brandura,
Urdidos pela mão da Desventura,
Pela baça Tristeza envenenados:

Vede a luz, não busqueis, desesperados,
No mudo esquecimento a sepultura;
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados:

Não vos inspire, ó versos, cobardia
Da sátira mordaz o furor louco,
Da maldizente voz e tirania:

Desculpa tendes, se valeis tão pouco,
Que não pode cantar com melodia
Um peito de gemer cansado e rouco.

Bocage
 
Excelente recolha, a tua
Viva o Bocage!!!
Viva o Vicktor!!!
 
Olha o meu amigo Bocage, já 244 anos? como o tempo passa.

Gosto da sua poesia e recordo-me do meu professor de literatura, amoroso, bom no que fazia e ensinou-nos a gostar de poesia:)
Mas em todas as aulas havia sempre a recitação de um poema e o pobre coitado dizia que eu dava uma alegria à turma quando recitava. Nunca soube se ele alguma vez descobriu, julgo que não mas eu falo alto e recitava um verso e dizia baixinho "de cu para cima", no a seguir "de cu para baixo", ora pois era uma atenção porque alguns versos tão monótonos (não duuu Bocage)tornamvam-se alegres. Eu era uma pesta e era inserida (com mais 4 raparigas) na turma com rapazes, aliás a única turma mista na época!

Outra coisa que me lembro é que para chegarmos à "essência" de um poema deviamos ler de cima para baixo e de baixo para cima e ...se resulta!

Desculpa esta partilha de memórias tão agradávais, e Bocage é um dos meus preferidos:)

Um abraço
 
Excelente homenagem ao Grande Bocage!
Jhs mil
 
Querida Sara

Muito interessante esta tua contribuição.

Com a tua permissão irei acrescentar o texto que serviu de base a este post... para no futuro vir a ser publicado com este soneto em que satiriza os seus próprios poemas.

Beijinhos.
 
Querida MagyMay

O Bocage merece todas as homenagens.

Na minha modesta opinião não há outro que tenha improvisado, sendo repentista, com tamanha qualidade.

Beijinhos.
 
Querida Fatyly

É muito bom trazermos ao nosso consciente memórias tão boas, memórias da nossa vida.

Esse teu professor foi alguém fóra de série... ensinar a entender poesia, a gostar de poesia, é uma das melhores preparações para a vida, para uma vida com dignidade e sabedoria.

Gostei muito desta tua partilha.

Beijinhos
 
Querida Maria Clarinda

O Bocage é por vezes olvidado... julgo que propositadamente... mas muito merecedor de reconhecimento.

Beijinhos.
 
Obrigado por me teres mencionado mas não era preciso. Bastava apenas colocares este poema. Bocage era um génio... incompreendido sim mas um génio. De que outra forma encontraria forma de brincar com ele mesmo? Bjs
 
Enviar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?