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quinta-feira, dezembro 24, 2009

o menino da mata

Habituara-se desde muito pequeno, quando começou a andar e a perceber o meio em que cresceu, a esconder-se no interior do casebre em que vivia com os seus progenitores e seus irmãos, sempre que pressentia a aproximação de estranhos pelo estalar da folhame existente no chão, pisada por quem se aproximava. Fazia o que via os mais velhos fazerem, com eles aprendeu a arte da dissimulação.

Quando chegou a idade escolar foi à escola, porque era rapaz, o mesmo não tendo acontecido com as raparigas da família que de muito novas estavam destinadas a ajudar as lidas da casa e dos campos. Ele também trabalhava nas terras de cultivo antes de ir e depois de regressar das obrigações escolares. Nem sequer conheciam a existência dos sábados e dos domingos.

Ia à escola situada num edifício de dois andares onde começava a estrada, pois até lá seguia por carreiros marcados pelo passar frequente em terrenos da mata, num sítio que chamavam “á do Mário Casimiro” por aí viver uma das famílias ricas do lugar e ser esse o nome do chefe de família. Caminhava descalço com os pés calejados pelo tojo e pela murta que eram lançados para formar o caminho.

Muitos dos meninos que frequentavam a escola iam igualmente descalços. Um ou outro de famílias de mais posses calçavam umas sandálias feitas pelo sapateiro que tinha porta aberta bem perto da escola e que a miudagem olhava com espanto na sua arte de trabalhar com a sola, a faca e a sovela.

Nos tempos frios e húmidos, quando necessário foi agasalhar-se com um casacão que já outros membros da família haviam usado quando mais novos e com o corpo da sua medida, ouviu falar na escola que se iria festejar o Natal, o nascimento do menino. Tempo de comida melhorada e de presentes para alguns, para outros, somente um dia diferente.

Nesse dia não via a hora de chegar a casa, de falar à sua mão nas estranhas conversas que ouvira na escola. Festa de Natal. Nascimento do menino. Prendas e comida melhorada e diferente. Na sua pequena cabeça fervilhavam perguntas, dúvidas que não sabia como as iria apresentar à mãe.

A mãe não soube que responder. Eram perguntas cujas respostas se encontravam muito longe de o seu viver. Pouco saía do pedaço de terra em que viviam bem no interior da Mata. Passava o tempo da lida da casa e nos trabalhos do campo onde obtinha os alimentos para a sobrevivência da família. Como poderia ele saber essas coisas da “festa de Natal”?

O menino sem respostas lá foi às suas tarefas reservadas para depois do regresso da escola. Dar de comer aos animais, cavar a terra ao lado do pai. Pela madrugada e até regressas à escola lá iria para os campos, feito espantalho humano, para enxotar a passarada que teimava em debicar as sementes que o seu pai havia lançado à terra.

Antes de dormir, no seu desassossego de não perceber o que ouvira na escola, ainda colocou as mesmas questões ao seu progenitor. O pai, escondendo uma lágrima furtiva, lá lhe foi dizendo: “_Quando chegar o dia do nascimento do menino logo saberás as respostas a essas dúvidas”.

Chegado o dia aprazado o pai chamou a si o menino e disse-lhe: “_Hoje é o dia em que nasceu o menino. Para ti vai ser um dia de brincadeira e ficas dispensado dos trabalhos do campo”. Dito isto, beijou-lhe a testa e viu com quanta felicidade ficou o seu menino.

Nesta sua vida, começada ainda há tão poucos anos, o único dia de festa que conhecera fora o dia do seu aniversário. E a única prenda que havia recebido e que alegrara esse dia fora a dispensa nesse dia festivo de ir trabalhar para os campos.

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Comments:
Lindas as estórias que tu contas, penso que já li esta naquele jornalinho, será?
Bjs
 
Querida Liá(s)

Grato pelas tuas palavras. Foi publicado na tal revista de que possuis um exemplar.

Beijinhos.
 
Bonita esta história. Para quem está privado de tudo, qualquer coisa simples é o suficiente para lhe trazer alegria.
 
Querida Milu

História baseada em situações reais conforme me contaram os mais antigos.

Um Ano Novo muito feliz.

Beijinhos.
 
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