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sexta-feira, junho 08, 2007

caminhar no grande areal

As situações não acontecem por acaso. Tão pouco acredito no fatalismo do destino. Um acontecimento de momento, vem sempre na sequência de algo que antes se verificou e cria condições para um evento que se seguirá.

Aquilo a que normalmente atribuímos a qualidade de coincidência, mais não é do que verificar-se uma mesma situação em resultado de duas origens diferenciadas. Estas afirmações tem cariz pessoal, o significado que têm, passíveis de discordância, mas é o que penso sobre o assunto.

E a que propósito vêm estas lucubrações? Oram vejam...


Embevecido pelo doce ruído do mar a espraiar-se na doirada areia, “mar de damas” no dizer dos pescadores do Grande Areal, passado que foi o tempo de tempestades, de fortes rebentações, do mar de Equinócio, um homem caminhava beira-mar, olhos postos na linha do horizonte, marcada pela neblina pousada sobre o mítico Cabo Espichel.

Caminhada solitária na vastidão do areal, faz pouco tempo que o dia clareara, e somente, aqui e ali, um homem ou mulher no “arrasto” das conquilhas quebram o sossego das colónias de gaivotas que pousadas onde a onda efectua o retrocesso aguardam pacientemente a chegada dos primeiros barcos das “artes” nocturnas.

Iniciara a caminhada na areia, por cerca da Praia da Sereia, Waikiki de há uns anos para cá quando deixou de ser conhecida por “Praia do Garrafão”, um ano mais “bandeira azul”, respondendo ao apelo interior, teria sido sonho?, que o “empurrava” para uma conversa com o “seu” mar, confidente dos bons e maus momentos e, muito em especial, conselheiro de palavras sábias, de sentires e de quereres.


O homem do “arrasto” das conquilhas acenou-me efusivamente com um “Bom Dia!” e aquele bando de gaivotas mais perto levantou voo indo pousar uns metros mais para Sul. Respondi à saudação e fixei o meu olhar para lá do longe, além da Adiça e da Lagoa, para aquela rocha no Cabo a que muitos chamavam Pedra Mu.

Quando voltei a minha atenção para o areal descortinei lá para o termo da Praia da Nova Vaga uma silhueta feminina que como eu caminhava para Sul. Pareceu-me que mais lentamente. À minha memória imediata veio aquela flor branca, autóctone do areal, nascida e embelezada com o ar da maresia que tempos atrás havia fotografado.

A silhueta da mulher que caminhava mais além pareceu-me algo familiar. A distância era ainda significativa mas irradiava de si uma luminosidade que não me deixava ter dúvidas. É ela!


O caminhante sentia o fresco da manhã chegar-se ao seu peito, mas o arrepio foi algo inesperado. Teve a nítida sensação de que algum acontecimento anterior “empurrara”, igualmente, aquela mulher para caminhar na praia. O coração acelerou os batimentos e ao mesmo ritmo estugou a passada.

Na verdade, se ele tivesse capacidade para sentir o pensamento daquela mulher saberia que também ela fora na realidade “empurrada” para esta caminhada, pelo desejo de conversar com o “seu” mar. E ficaria a saber que esse mar tão belo, tão azul, tão conselheiro não é o “mar dela”, nem o “mar dele”, é isso sim o mar de quem põe em primeiro lugar os afectos... é o “mar deles”.

A imagem antes difusa e distante ganha cada vez mais nitidez e os contornos duma realidade consistente. A diferença do ritmo da passada entre os dois vai proporcionar o encontro, disso não tem quaisquer dúvidas quem observa “de fora” o desenvolver dos acontecimentos.


Ao aproximar-me da mulher cuja imagem familiar, pouco a pouco, veio a ganhar forma e nitidez, apercebi-me de que o seu andar mais parecia ser um flutuar sobre a areia molhada pelo vai-e-vém das ondas desse mar hoje tão doce.

Apercebeu-se da minha presença, mais do que pelo ver pelo sentir. Olhou para trás primeiro dissimuladamente, depois com mais insistência e firmeza. Em partilha de afectividade nos abraçamos longamente e o mar molhou-nos os pés na sua sétima onda.

Ofereci-lhe uma concha de vieira que ainda há pouco havia recolhido da bandeja ofertada pela maresia. Estendeu-me as mãos com uma tampa de concha e juntando as duas valvas mostrou que ambas se completavam, eram partes da mesma unidade. E sorriu.


Na linha do horizonte a neblina levantou e o Espichel resplandeceu à luz forte do Sol ainda primaveril.

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Comments:
Como o caminhar nosso ,com nossas sensações,sonhos,pensamentos nos fazem bem
Ligia
 
Querida Lígia
Pode ter a certeza de que este mar tem magia... faz-nos desejar forte que a imaginação vire realidade.
Beijinhos.
 
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