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segunda-feira, novembro 19, 2007

chamamento do mar agreste

O chamamento chegou de mansinho. Primeiro, um longínquo “arrulhar de rola”, suave e tranquilo. Logo depois, num crescendo veloz e acentuado, um bru-á-á cada vez mais intenso. Os sentidos despertos por um ruído imenso vindo do fundo dos tempos entenderam o chamamento do mar de Outono na vivência da enorme amplitude das marés.

Vencida a falésia, arriba fossilizada de milhões de anos, encontramos o mar cinzento que em ondas agrestes e vivas se transformava no caminho do areal numa sinfonia de prata. Argêntea brancura pois a gandaia há muito fora deixada cá bem acima, aquando da preia-mar.

Rebentação forte, ruidosa, que o mar é macho no dizer dos pescadores das artes que nestes tempos invernosos, no Outono vividos, não se podem fazer à faina na procura do sustento diário. É tempo de recuarem às hortas, pescadores feitos agricultores, que a filharada tem que se alimentar.

Levantando o olhar para o topo da arriba, onde o pinhal vem beijar a beira da falésia, somos surpreendidos por uma verdadeira dança nupcial executada de forma espantosa pelos corvídeos do pinhal em época de acasalamento. Várias dezenas de corvos executam o seu acasalamento em pleno voo, emitindo os seus vocálicos até à exaustão.

Entre os corvos acontece uma relação triangular, pois quando se verifica a carência de macho, as fêmeas ritualizam entre si o acto do amor, cortejando-se e seduzindo-se mutuamente até que uma das fêmeas passa a exercer o papel masculino. Fruto desse amor a outra fêmea choca os ovos, que por serem estéreis não resultam.

Mas o romance não termina aí. Quando surge o macho, mesmo que atrasado, e começa a namorar uma das fêmeas já em estado de acasalamento “homossexual”, não conseguirá desligar as duas amadas. Terá que compor com elas um “menage à trois”, tendo que cuidar de duas ninhadas dessa relação resultantes.

É irresistível o chamamento do mar agreste na invernia da Praia do Sol.

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Comments:
É mesmo irresistível este chamamento, o chamamento da existência, que se faz soberano, e sobrepôe-se ao costumeiro, ao usual, e induz à busca de alternativas para que não se fruste o movimento de união...a dança da vida. Que saudades que eu estava de vir aqui e encontrar tanta beleza. Estou de volta, amigo Vitor, a tempo de poder ver e sentir a sua arte, a sua sensibilidade.

Muito obrigada.

Beijos

Gwen
 
Querida Gwen
Nós é que já sentamos falta das tuas afáveis palavras.
Realmente é estranha a viv~encia dos corvídeos do Pinhal... ou talvez não e sejam preconceitos nossos que levam a pensar tal.
Beijinhos.
 
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