Partilhar
segunda-feira, dezembro 24, 2007

conto de natal

O Menino da Mata


Habituara-se desde muito pequeno, quando começou a andar e a perceber o meio em que cresceu, a esconder-se no interior do casebre em que vivia com os seus progenitores e seus irmãos, sempre que pressentia a aproximação de estranhos pelo estalar da folhame existente no chão, pisada por quem se aproximava. Fazia o que via os mais velhos fazerem, com eles aprendeu a arte da dissimulação.

Quando chegou a idade escolar foi à escola, porque era rapaz, o mesmo não tendo acontecido com as raparigas da família que de muito novas estavam destinadas a ajudar as lidas da casa e dos campos. Ele também trabalhava nas terras de cultivo antes de ir e depois de regressar das obrigações escolares. Nem sequer conheciam a existência dos sábados e dos domingos.

Ia à escola situada num edifício de dois andares onde começava a estrada, pois até lá seguia por carreiros marcados pelo passar frequente em terrenos da mata, num sítio que chamavam “á do Mário Casimiro” por aí viver uma das famílias ricas do lugar e ser esse o nome do chefe de família. Caminhava descalço com os pés calejados pelo tojo e pela murta que eram lançados para formar o caminho.

Muitos dos meninos que frequentavam a escola iam igualmente descalços. Um ou outro de famílias de mais posses calçavam umas sandálias feitas pelo sapateiro que tinha porta aberta bem perto da escola e que a miudagem olhava com espanto na sua arte de trabalhar com a sola, a faca e a sovela.

Nos tempos frios e húmidos, quando necessário foi agasalhar-se com um casacão que já outros membros da família haviam usado quando mais novos e com o corpo da sua medida, ouviu falar na escola que se iria festejar o Natal, o nascimento do menino. Tempo de comida melhorada e de presentes para alguns, para outros somente um dia diferente.

Nesse dia não via a hora de chegar a casa, de falar à sua mão nas estranhas conversas que ouvira na escola. Festa de Natal. Nascimento do menino. Prendas e comida melhorada e diferente. Na sua pequena cabeça fervilhavam perguntas, dúvidas que não sabia como as iria apresentar à mãe.

A mãe não soube que responder. Eram perguntas cujas respostas se encontravam muito longe do seu viver. Pouco saía do pedaço de terra em que viviam bem no interior da Mata. Passava o tempo da lida da casa e nos trabalhos do campo onde obtinha os alimentos para a sobrevivência da família. Como poderia ele saber essas coisas da “festa de Natal”?

O menino sem respostas lá foi às suas tarefas reservadas para depois do regresso da escola. Dar de comer aos animais, cavar a terra ao lado do pai. Pela madrugada e até regressas à escola lá iria para os campos, feito espantalho humano, para enxotar a passarada que teimava em debicar as sementes que o seu pai havia lançado à terra.

Antes de dormir, no seu desassossego de não perceber o que ouvira na escola, ainda colocou as mesmas questões ao seu progenitor. O pai, escondendo uma lágrima furtiva, lá lhe foi dizendo: “_Quando chegar o dia do nascimento do menino logo saberás as respostas a essas dúvidas”.

Chegado o dia aprazado o pai chamou a si o menino e disse-lhe: “_Hoje é o dia em que nasceu o menino. Para ti vai ser um dia de brincadeira e ficas dispensado dos trabalhos do campo”. Dito isto, beijou-lhe a testa e viu com quanta felicidade ficou o seu menino.

Nesta sua vida, começada ainda há tão poucos anos, o único dia de festa que conhecera fora o dia do seu aniversário. E a única prenda que havia recebido e que alegrara esse dia fora a dispensa nesse dia festivo de ir trabalhar para os campos.

Etiquetas: ,


Comments:
amigo victor
obrigada por este conto de natal com que me presenteaste.
depois do conto o menino também me ofertou. da janela da minha nova sala tenho à minha frente uma lua imensa. lembrei-me de ti por causa da janela do teu sotão. e entrei para te deixar os meus votos de umas festas plenas de paz amor amizade saúde e tudo de bom que possas ter pedido. eu por mim falo porque estou feliz. porque ele hoje se lembrou de mim. e tenho na palma da minha mão o reflexo branco de uma lua só minha e nos olhos aquele brilhozinho de alegria.
um grande mas grande beijo no teu coração
 
Feliz Natal, Amigo Victor!!!
Na esperança de nos encontrarmos nas cantorias das Janeiras no próximo dia 5,desejo-lhe um Feliz Natal na companhia dos seus e dos felinos da família e asilantes :))
Conto consigo para uma incursão no mundo do Flight Simulator onde continua vago o cargo de co-piloto...
Um Abração,
Pedro Ramalho
 
A grandeza das coisas simples, da palavra e do entendimento: campo arável, sem dúvida.

Assim como é o teu sentir, Victor.

Obrigado por este presente verdadeiro.

Natal bonito, um beijo
 
Querida Ivone
Fico feliz com a tua Felicidade, tão forte e tão sentida. É bom saber os amigos felizes. E podes crer que é sempre isso que mais peço nesta época de "pedidos": felicidade e bem-estar para os meus familiares e amigos.
Este conto, modesto conto de Natal, foi inspirado na realidade da Charneca há 50 anos atrás.
Bom Ano de 2008. Beijinhos.
 
Amigo Pedro
Tudo farei para poder "janeirar" na boa companhia dos meus amigos aldeões.
Bom Ano de 2008. Um abraço.
 
Querida Sant'Ana
Obrigado pelas tuas bonitas palavras. Como falei à Ivone este conto tem muito da realidade charnequense de há 50 anos.
Bom Ano de 2008. Beijinhos.
 
Enviar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?