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segunda-feira, setembro 08, 2008

o virar da maré

sentires da praia do sol
Nas caminhadas ou na simples contemplação na Praia do Sol extravasamos todos os nossos sentires no azul do mar, no doirado das areias, nos odores da maresia



No tempo exacto do virar da maré, se de outra forma o não soubesse, ainda bem cedo havia consultado o minúsculo livro que apresenta as previsões anuais das vazas e das cheias das ondas nas praias, o velho marinheiro que caminhava ao longo da ténue orla de espuma prateada que as ondas mais atrevidas ainda iam deixando no areal, sentiu o virar da maré.

Mesmo que previsto não estivesse, que o pequeno livro não houvera consultado e que estivesse em branco o afixado papel na entrada do apoio de praia onde normalmente consta essa indicação, o homem calejado pelo salitre do mar sabia-o. O mar lhe dera essa indicação.

As águas haviam caminhado para a preia-mar com tranquilidade, com bonomia até, numa aproximação total ao doirado areal e às poucas pessoas que o percorriam nessa hora matinal com o sol a despontar do cimo da arriba. O espraiar das ondas beijara mesmo os pés do lobo do mar nos minutos últimos em que a marca molhada ultrapassava a que anteriormente havia chegado. Mas agora parecia agitar-se.

O velho marinheiro leu e entendeu perfeitamente esse sinal. O mar começou a mostrar a sua revolta por algo que sendo inquestionável e inevitável lhe não agradava um pouco que fosse. A partir desse momento, a partir da altura em que a preia-mar atingira a sua plenitude, a viragem da maré tinha lugar, o mar iria ser afastado pelos desígnios da Natureza das areias que tanto amava e recolher-se às profundezas do oceano.

Iria afastar-se das areias e do velho marinheiro, amigo e cúmplice de tantas andanças e tormentas, pois o mar não confunde a amizade que tem pelo marinheiro com o seu destino de ser, ora mar de “damas” e logo mar “macho”, quantas vezes sepultura do seu próprio amigo. É a permanente presença do bem e do mal, da mão que acarinha e que puxa para o turbilhão das ondas.

Era esta secular partilha de sentires entre o mar e o marinheiro que dava tanto encanto a uma cumplicidade infinita. O mar cumpria o ritmo das marés, revoltado porque lhe retiravam a preia-mar. Ainda há pouco tão tranquilo mostrava a sua revolta no forte troar da rebentação que, por certo, já era ouvido para lá da falésia em terras de charneca e de e dos homens do campo.

O velho pescador sabe bem que um dia chegará o tempo de acompanhar o “seu” mar no caminho da baixa-mar. Seguirá, então, mar adentro no caminho do horizonte, do sonho, para lá da imaginação. Nesse dia o velho marinheiro será mar.

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