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quinta-feira, maio 28, 2009

mar tão cúmplice

Não foi fácil ao velho marinheiro percorrer a íngreme vereda que desce quase até ao mar, sempre havia pensado ser mais difícil a descida do que a subida e assim era, mas o apelo forte do mar não lhe deixou outra alternativa do que pôr-se ao caminho. Trôpego, as pernas já não tinham a ligeireza doutros tempos, lá foi fazendo a caminhada, aproveitando a fresquidão da alvorada.

À sua memória, como num filme a que já faltassem pedaços, acorriam tempos dispersos, sentires profundos, de quando essa mesma vereda descia para se ir encontrar com a mais bela mulher que algum dia havia conhecido. De beleza física sem par, mas também com uma aura de cor que sempre a envolvia quase não sendo necessário trocar palavras para entenderem mutuamente seus sentires.

Perdera-a no tempo, que o tempo que passa não se compraz com profundos sentimentos, varre os pensamentos como as ondas quando se espraiam na areia, mas sempre imagina que um dia a encontrará nas doiradas areias, na cumplicidade do mar, do seu mar, que a bela mulher do seu encantamento sempre usava dizer “do nosso mar”.

Quando chegou ao areal o dia que começara tão luminoso pareceu de súbito enevoar-se, uma neblina densa e fria impedia-o de ver o enrolar das ondas que sentia e ouvia ali tão perto. Teve dúvidas se não seria a sua própria vista que o atraiçoara no cansaço da descida da vereda. Passou mais do que uma vez as mãos pelos olhos na tentativa infrutífera de afastar a névoa que lhe tirava a visão.

Pés descalços, calças arregaçadas, abeirou-se do mar que lhe lambia docemente os pés, uma onda mais forte molhou-lhe as calças tornando-as pesadas. Sentiu algo bater-lhe nas pernas, baloiçando, baloiçar de barcaça na dança da ondulação. Segurou a barcaça com a mão firme, esforçou-se por galgar a borda e sentiu-se dentro dela em doce balanceio.

Um cântico suave, um perfume inesquecível convidava-o a navegar, chamava-o como tantas vezes antes lhe acontecera em encontros de tanta luz e cor. Mas agora era a névoa densa que o envolvia. O mar agitou-se, quase não reconhecia naquele ancião de cabelo branco desgrenhado o velho marinheiro cúmplice de tantos sentires. Puxou-o mais para sim, para onde a vista do ser humano já não alcança.

Contam os homens da beira-mar que em noites de Lua Cheia, lá longe onde o mar muda de cor, de azul para verde e até para lilás, vêem forte luminosidade e uma pequena barcaça com os vultos de um velho de brancos cabelos e de uma bela mulher que docemente se abraçam.

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Comments:
Uma história de amor, numa tarde quente de Primavera...
bjs
 
Querida Lilás

É sem dúvida uma estória de profundo amor... e também de desamor. São as curvas da vida...

Beijinhos.
 
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