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sexta-feira, junho 26, 2009

o virar da maré

sentires da praia do sol
O velho marinheiro, cabelos brancos desgrenhados, partiu um dia para mares do longe cumprindo o seu desígnio de nómada dos areais e dos sentires. Contam os mais velhos que em noites de calmaria sua frágil barcaça se aproxima do Grande Areal. Ele procura encontrar a “sua” ninfa, inspiração de toda uma vida. O mar fica, então, mais salgado ainda.




No tempo exacto do virar da maré, se de outra forma o não soubesse, ainda bem cedo havia consultado o minúsculo livro que apresenta as previsões anuais das vazas e das cheias das ondas nas praias, o velho marinheiro que caminhava ao longo da ténue orla de espuma prateada que as ondas mais atrevidas ainda iam deixando no areal, sentiu o virar da maré.

Mesmo que previsto não estivesse, que o pequeno livro não houvera consultado e que estivesse em branco o afixado papel na entrada do apoio de praia onde normalmente consta essa indicação, o homem calejado pelo salitre do mar sabia-o. O mar lhe dera essa indicação.

As águas haviam caminhado para a preia-mar com tranquilidade, com bonomia até, numa aproximação total ao doirado areal e às poucas pessoas que o percorriam nessa hora matinal com o sol a despontar do cimo da arriba. O espraiar das ondas beijara mesmo os pés do lobo do mar nos minutos últimos em que a marca molhada ultrapassava a que anteriormente havia chegado. Mas agora parecia agitar-se.

O velho marinheiro leu e entendeu perfeitamente esse sinal. O mar começou a mostrar a sua revolta por algo que sendo inquestionável e inevitável lhe não agradava um pouco que fosse. A partir desse momento, a partir da altura em que a preia-mar atingira a sua plenitude, a viragem da maré tinha lugar, o mar iria ser afastado pelos desígnios da Natureza das areias que tanto amava e recolher-se às profundezas do oceano.

Iria afastar-se das areias e do velho marinheiro, amigo e cúmplice de tantas andanças e tormentas, pois o mar não confunde a amizade que tem pelo marinheiro com o seu destino de ser, ora mar de “damas” e logo mar “macho”, quantas vezes sepultura do seu próprio amigo. É a permanente presença do bem e do mal, da mão que acarinha e que puxa para o turbilhão das ondas.

Era esta secular partilha de sentires entre o mar e o marinheiro que dava tanto encanto a uma cumplicidade infinita. O mar cumpria o ritmo das marés, revoltado porque lhe retiravam a preia-mar. Ainda há pouco tão tranquilo mostrava a sua revolta no forte troar da rebentação que, por certo, já era ouvido para lá da falésia em terras de charneca e de e dos homens do campo.

O velho pescador sabe bem que um dia chegará o tempo de acompanhar o “seu” mar no caminho da baixa-mar. Seguirá, então, mar adentro no caminho do horizonte, do sonho, para lá da imaginação. Nesse dia o velho marinheiro será mar.

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Comments:
Adorei ler...beijos.
 
Deveras, sublime o texto.
...e que o velho marinheiro, seja mar...o que é lindo...
 
Querida Paula
Muito grato. Foi um escrito muito sentido, podes crer... E a introdução fez-me lágrimas correr.
Beijinho.
 
Querida MagyMay
Que melhor destino pretenderá o velho marinheiro?
Sei que ele adoraria nesse momento "sentir" o olhar da sua ninfa... que é doçura e magia.
Beijinho.
 
Provávelmente a "ninfa" vai aparecer no ultimo mmomento e fará companhia ao velho marinheiro, assim o final será em cheio! que tal?
Bjs
 
Querida Lilás
Quando o velho pescador seguir mar adentro no caminho do horizonte, do sonho, para lá da imaginação, quando o velho marinheiro for mar, quem sabe se não será a espuma da rebentação o seu próprio cabelo branco, então sim, a "ninfa" aparecerá.
Beijinho.
 
..." o mar nao confunde a amizade que tem pelo marinheiro com o seu jeito de ser" e daí a necessidade de nos moldarmos ao sentir dele.Be lo texto .A ninfa sempre aparece , é só o marinheiro imaginar! Abraços
 
Ele procura encontrar a “sua” ninfa, inspiração de toda uma vida. O mar fica, então, mais salgado ainda.
..............
Nem imaginas como este conto me tocou...e o mar ficou ainda mais salgado...

Adorei!

Beijocas
 
Querida Lisette
tenho a certeza que os mais velhos da beira-mar um dia terão a visão de um velho marinheiro, cabelo branco desgrenhado, a abraçar ternamente a "ninfa" do seu muito querer.
Beijinho.
 
Querira Fatyly
Sabes? Quando o releio me parece que por mim não foi escrito... e emociono-me muito...
Beijinhos.
 
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