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terça-feira, junho 30, 2009

sua paixão é ser oleiro

Voltámos ao convívio do nosso amigo José Carlos, o último oleiro de Brotas, no concelho de Mora. Ele tem a arte de moldar o barro, sua esposa Vera, pinta sobre as peças artísticas decorações.

Conversador nato e esclarecido nos costumes de sua terra não resistimos em transcrever o que escrevemos em Março de 2008.




Sente-se muito só.

Não na vida, que a tem preenchida e tranquila, com a família bem estruturada, como é por todos reconhecido na aldeia em que vive. Sente-se só na arte que abraçou há mais de vinte e cinco anos, era então uma criança que muitas vezes fugia à escola para ir olhar embevecido as mãos do mestre oleiro durante os seus afazeres.

Perdia-se no tempo a ver o velho oleiro criar obra a partir de um bloco de barro, massa disforme que no rodopiar da roda ia, pouco a pouco, transformando numa peça que mais tarde iria compor os apetrechos utilitários duma cozinha.

Quando a inspiração do mestre era maior os olhos da criança abertos de espanto assistiam ao nascer de uma pequena jarra ou pote de traço mais artístico e que iriam embelezar o móvel aparador da entrada ou a cantareira da cozinha.

Na escola aprendeu a ler e a escrever, mas a atracção pelos trabalhos da olaria fazia com que passasse horas sem fim junto do mestre oleiro. Não tardou, pois, que assumisse a sua qualidade de aprendiz que durante longos anos manteve. Primeiro, ia para os campos, para as barreiras, cavar e extrair o barro em bruto, lamas de terras escolhidas, que noutra fase dos trabalhos em pasta moldável eram transformadas.

Depois aprendeu e executou as técnicas de transformar as lamas em barro, quantas vezes com as mãos gretadas pelo frio da dureza das invernias, pois não era trabalho sazonal, antes trabalho para uma vida.

Um companheiro aprendiz que com ele ia adquirindo o saber do mestre oleiro, cedo desistiu da caminhada pelas agruras do trabalho e porque não sentia em si o verdadeiro apelo do barro. Depois, quando o velho mestre oleiro foi chamado à companhia de outros artistas que connosco já não viviam, ele já a oficial promovido, tomou o lugar do mestre.

Olhou, então, à sua volta e sentiu uma estranha solidão. Na sua aldeia era o último dos caminhantes duma jornada que se perdia na lonjura dos tempos. Ainda hoje, continua a elevar o barro na roda do oleiro, na forma tradicional de dar vida às peças que laboriosamente vai criando. Contudo..."




...sente-se muito só.





[Um pouco da história da vida de Mestre Ramalhão, da Olaria de Brotas (Mora, Alto Alentejo)]

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Comments:
Como o compreendo. Não que eu saiba trabalhar em barro, mas escrever também é um acto solitário. Quando a arte é paixão, sentimo-nos sós. Mas não estamos. Beijos.
 
Querida Paula
É um jovem fabuloso. Realiza todo o ciclo do barro, desde a apanha do barro nos campos de Brotas até à cozedura final.
Beijinho.
 
e como gosto de ver um oleiro a trabalhar. Vi um no Redondo que adorei, tão velhinho e uma simpatia.

Já tinha lido e a Ramalhão deixo aqui o que escreveste por debaixo da foto:

"um pedaço de barro sem forma
mãos que o moldam sem cessar
o sopro final que lhe dá vida".

Gostei de reler:)

Um abraço
 
a sua continuidade... que não deixe de fazer o que gosta!
 
Querida Fatyly

Grato pela autêntica peregrinação que tens estado a fazer pela Oficina...

O oleiro e a sua arte de moldar é algo muito físico que muito me diz no sentir.

Beijinho.
 
sou da terra do barro, das oalrias... caldas da rainha
de muitas loiças!
bonito trabalho
beijinhos
 
Querida Gaivota
Gosto muito das Caldas... adoro a loiça do Bordalo Pinheiro... e da "outra" também, visto fazer parte da cultura dum Povo...
O tempo é sempre escasso para voltar a sítios que amamos, mas vamos sempre tentando.
Na Foz do Arelho existe uma escultura, "o gato e as romãs" que já mereceu pesquiza difícil desta Oficina. Mas chegámos a bom porto...

Beijinho.
 
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