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quarta-feira, julho 29, 2009

contrabandistas de afectos

tradição e cultura popular
A tradição resulta da memória colectiva de um Povo, autêntico património invisível que se transmite entre gerações e representa o mais elevado expoente da cultura popular. Aqui se deseja dar conta desse repositório




Em tempos idos, os lobos e os contrabandistas atravessavam o rio Guadiana de um só pulo.

Percorriam veredas e carreiros, quantas vezes com a ajuda de um jerico, para “passarem” de um lado da fronteira para o outro os géneros alimentícios e outros bens que faziam falta no destino.

Mas ajudaram, do mesmo modo, homens solidários que pretendiam ajudar as populações em defesa da sua Liberdade, contra ditadores que pretendiam impor grilhetas ao Povo em luta pela sobrevivência. Outros homens que pretendiam fugir à ditadura, a guerras sem sentido, na procura de melhores condições de vida.

Ainda hoje se confundem as origens das gentes de ambos os lados da raia, por exemplo na região de Alcoutim, no Baixo Alentejo raiano, onde se desenvolveram e consolidaram intensos laços de amizade e de solidariedade, por conta do contrabando, que se intensificou a partir da década de 30, dos trabalhos agrícolas nos campos da raia e das constantes debandadas para o lado português, ao longo dos três duros anos da Guerra Civil Espanhola, entre 1936 e 1939.

Nas rotas dos contrabandistas, trocavam-se cumplicidades e afectos, para Espanha seguiam o café e o açúcar. De Espanha vinham os perfumes e os tecidos. Mas, mais do que tudo, a afectividade que levava a muitos “casamentos” trans-fronteiriços.

O anedotário popular registou uma curiosa estória, já ouvida noutros contextos sociais e laborais: “Todos os dias, o velho Joaquim (ou seria o velho Paco?) atravessava de bote o rio Guadiana em direcção a San Lucar, aldeia em frente a Alcoutim. E todos os dias, o velho Joaquim trazia a sua inseparável bicicleta pasteleira consigo. Todos os dias também o velho Joaquim era revistado pela Guarda Fiscal (do lado de cá) e pelos “guardiñas” (do lado de lá), para todos os dias nada de ilegal ser encontrado. O velho Joaquim (ou seria o velho Paco?) contrabandeava bicicletas!”



“Viva a malta, trema a terra
Daqui ninguém arredou.
Quem há-de tremer na guerra
Sendo homem como eu sou.”



Agradecimentos:
Diário do Alentejo
El Periodico Extremadura
Concelho de Mértola

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Comments:
E por isso encontramos, no Guadiana, o Pulo do Lobo.Para o encontrar basta sair da estrada que liga Vila Real de Santo António a Alcoutim, rumando para os lados do Levante.Histórias de contrabandistas conheço algumas mas esta que nos contas tem um sabor especial. Sabes que gosto muito da tua escrita sempre impregnada de afectos, os mesmos que continuam a ligar as gentes raianas às quais grande parte da minha família pertenceu ali para os lados de Odeleite.

Beijinhos

Bem-hajas!
 
Querida Isamar

Tenho a felicidade de também conhecer "O Pulo do Lobo"... não seria "lobo" um código secreto entre os contrabandistas?

Os contrabandistas eram homens excepcionais de grandes afectos como dizes muito bem. Lutadores contra a repressão do regime fascista do Estado Novo, muitos ajudaram solidariamente camaradas na clandestinidade e em fuga a libertarem-se da opressão.

Gente fixe. Hoje reconhecidos um pouco por toda a raia de norte a sul, inclusivé com núcleos museológicos sobre o tema que se multiplicam.

Beijinhos.
 
Gosto muito das suas histórias cheias de história e mágia.

Esta foi mais uma que muito me agradou especialmente do título tão carregado de sentido.

Acho que é o que faz falta hoje em dia: Afectos... contrabandistas de afectos
 
Querida Sara

É bem certo o que dizes... os contrabandistas de afectos são também seres muito solidários...

O mundo seria tão melhor...

Beijinhos.
 
Fantástico e aprendi um pouco mais:) Obrigado!
 
Querida Fatyly

Também quando passei por lá aprendi esta estória... o que as gentes das diversas regiões nos ensinam...

Beijinhos.
 
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