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terça-feira, fevereiro 09, 2010

a taberna do faustino 2

Quando caminhamos para sul no Grande Areal deixando para as costas a actual cidade de Costa de Caparica, pelos antigos designada “costa do mar” ou “costa do pescado”, passada toda a zona balnear que tem acessos por estrada, umas duas léguas caminhadas, chegamos a uma povoação implantada à beira-mar, um desordenado de casas e estradas de macadame – chegamos à Fonte da Telha.

Outrora terra de pescadores, a pesca é ainda hoje a base do rendimento dos seus habitantes, transformada num aglomerado de casas de veraneio e restaurantes de gosto duvidoso, por aqui se instalaram diversas companhas das artes piscatórias, num mar que pelo seu desenho costeiro é mais afável mesmo durante a invernia.

Há notícia de que nos anos 40 do século passado era ainda constituída por cabanas de colmo dispersas na faixa dunar, onde os pescadores viviam e iam à faina, primeiro de forma sazonal pegando-lhes fogo e abandonando-as em tempo de invernia e, depois, de um modo regular, estabelecendo-se aí pequenos núcleos familiares.

O pouco comércio existente à época resumia-se às tabernas do Camões e do Faustino, onde de tudo se vendia, normalmente para “pôr na conta” pois somente quando o tempo bom permitia a ida ao mar das companhas se obtinham parcos rendimentos para pagar o que estava em dívida.

No pós-guerra, em meados dos anos 40 de século passado as carências de bens essenciais eram tamanhas que o estado novo implantou o regime de racionamento, senhas pala os bens alimentares e outros de primeira necessidade, sendo rigorosamente punidos todos aqueles que transaccionassem esses bens de forma clandestina. Fora implantado um regime de terror, de delação, os “bufos” multiplicavam-se e a troco de alguns centavos acusavam os próprios amigos e familiares que a tal eram induzidos e incentivados.

As tabernas do Camões e do Faustino ainda hoje existem na Fonte da Telha, com o aspecto modernizado que os tempos são outros, mas situam-se nos lugares de outrora. A Tasca do Faustino mais a sul mesmo junto à colónia piscatória. Pela manhã ainda por lá se “mata o bicho” com um copo de aguardente que a friagem é muita. E no regresso da faina ali se conversa acerca do mar.

O actual restaurante O Camões mais recuado em relação à linha do mar, mais próximo da falésia. Ficava no caminho por onde desciam os recoveiros da Charneca que vinham comprar o pescado que depois transportavam em cabazes feitos de cana para venderem em Almada e até em Lisboa.



Notas:
(1) Alexandre Cabral, considerado o maior estudioso da vida e da obra de Camilo Castelo Branco, no seu romance “Fonte da Telha” descreve de forma soberba a vivência dos pescadores na primeira metade do século passado (edição: Lisboa, 1949)

(2) A minha amiga .Lis do blogue Flor de Lis num seu comentário incentivou-me a que descrevesse um pouco mais o que sei sobre a Tasca do Faustino, cujos familiares vivos me dão a honra de serem meus amigos.

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Comments:
Oi Vicktor
Obrigada pela explicação sobre a taberna do Faustino.Tirou minhas dúvidasporque pensava ser algo relacionado ao namorinho do casal, rsrs gostei de saber também que "ainda por lá se mata o bicho", pra dar aquela esquentadinha, nao ?
valeu, amigo.Deixo abraços pra voce, nao é nenhuma 'aguardente" mas ajuda aquecer um pouquinho rs
volto depois
 
Tantas histórias que tens na algibeira, deita cá para fora que a gente gosta delas.
Bjs
 
Uma vez caí na asneira de ir em plena época balnear e ...deus me livre, meia volta e desisti. Já fui no inverno mas os caminhos são terríveis e realmente as casas muito desordenadas. Na altura ainda existia um parque de campismo bem próximo mas acho que acabaram.
Zonas que deveriam permanecer como "património cultural incluindo a taberna" mas quer a câmara quer o ministério estão-se nas tintas.
Os milhões já gastos "em obras do faz de conta" na zona costeira da Costa da Caparica daria para muito mais, mas os innnginheiros são uma autêntica nódoa!

Enfim!
 
História interessante, que nos faz lembrar que estas terras possuem um passado e não estão ali somente para os turistas. Da próxima vez que lá for, procurarei as referidas "tabernas" e olharei para elas com carinho.

Bj
Rita
 
Querida .Lis

É verdade... a Taberna do Faustino continua a ser pondo de encontro dos homens das artes piscatórias da Fonte da Telha.

Em tempo de invernia para ver o mar, trocar dois dedos de conversa e para a tal esquentadinha.

A partir do mês de Março, com o mar de feição, para darem conta uns aos outros de como está o "pexe" no mar.

Beijinhos.
 
Querida Lilá(s)

Sabes bem que as estórias que tenho no bolso são aquelas que as gentes me contam.

E quanto eu gosto de as partilhar.

Beijinhos.
 
Querida Fatyly

Está ali na Fonte da Telha um problema de muito difícil solução. São imensas aentidades com "mando" naquela zona e não se querem entender.

Mas, na realidade, há ali património cultural que já vem dos tempos dos Feníncios que ali se deslocavam na procura do "oiro da Adiça".

A Oficina vai fazendo um esforço para, pelo menos, fazer registo do que se conta e do que se diz...

Beijinho.
 
Querida Rita

Assim é... a zona da Fonte da Telha porque tem um mar bem diferente do Grande Areal para norte sempre foi terra e gentes... gentes com estórias para contar.

Não percas uma ida por lá...

Beijinhos.
 
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