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quinta-feira, junho 03, 2010

bocage já não chegou ao natal

elmano sadino
Apontamentos dos quereres e sentires do poeta de Setúbal, Manuel Maria de Barbosa du Bocage, na procura de uma verdade impossível de encontrar, o rumo da sua vida. Transcrição de sonetos e de poesias eróticas, burlescas e satíricas




Tanta vida vivida, tantos amores e desamores, tantos ódios e tanta fama e só passaram quarenta anos de vida e mais de vinte de vadiagem, de noitadas e de genebra. Passou vida no Bairro Alto, na Lisboa boémia e no Rio de janeiro, na Rua das Violas; viajou por Surrate e pelos pangaios de Cantão, lá no oriente longínquo e regressou mais pobre do que nunca à poncheira do Botequim das Parras.

Muito fumo, muitas correrias, subidas e descidas pelas calçadas de Lisboa, Bocage está um farrapo, com um aneurisma declarado que o atira para uma cama. Visitado e valido pelos amigos e animado pela irmã, ninguém mais lhe resta, enquanto a doença o consome tornando mais transparentes os seus olhos muito azuis.

Bocage verseja como nunca. Um fogo, intenso fogo, o desgasta internamente mas lhe dá inspiração e forças para improvisar como nunca. Bocage já lhe custa endireitar-se na cama, mas a par com a visita dos amigos, também o visitam aqueles com quem se digladiou tempos sem fim. O respeitam e prevêem o breve desenlace.

Por lá aparecem o Policarpo, da Rua Nova da Rainha e até o Curvo Semedo e o Visconde de Laborim. Até o próprio Padre José Agostinho de Macedo não faltou. No meio de toda esta emoção e comoção se arrastou Bocage nos últimos meses de vida.

Numa dessas visitas o pintor Henrique José da Silva, de vontade própria ou por encomenda, fez-lhe o retrato. Olhos cavados e ardentes, uma mecha de cabelo a cair-lhe para a testa, magro como um cavaco.

Bocage sentia-se finar...

Meu ser evaporei na lida insana...
Já Bocage não sou...
À cova escura meu estro vai parar, desfeito em vento...

Bocage não chegou ao Natal. Expirou em 21 de Dezembro de 1805 e foi sepultado na Igreja das Mercês, mesmo junto à sua porta.


Soneto 80

Meu ser evaporei na lida insana
Do tropel das paixões que me arrastava,
Ah! Cego eu cria, ah! Mísero eu sonhava
Em mim, quase imortal, a essência humana!

De que inúmeros sóis a mente ufana
A existência falaz me não doirava!
Mas eis sucumbe a Natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua origem dana.

Prazeres, sócios meus e meus tiranos,
Esta alma, que sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos.

Deus... ó Deus! Quando a morte à luz me roube,
Ganhe um momento o que perderam anos,
Saiba morrer o que viver não soube!




O que já foi publicado na Oficina das Ideias sobre Bocage:
Elmano Sadino
O Homem e o Poeta
Regresso à Vadiagem de Lisboa
Os Alvores da Nova Arcádia
As Sátiras de Elmano Sadino
Bocage no Degredo
Caminho da Libertação
Enfim livre!
Esta Liberdade não desejava Bocage
Na Glória da Controvérsia
Amores reais (?) de Bocage

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