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quinta-feira, julho 31, 2003

um relógio muito especial

É sempre agradável retornar ao British Bar e, tranquilamente, apreciar um digestivo com bastante gelo. A simpatia dos donos e de todo o pessoal e o cosmopolitismo da frequência completam o agradável ambiente.

A mesa situada no canto esquerdo logo na entrada é sem qualquer dúvida a mesa mais bem colocada para o observador de gentes e de factos. Aliás, diz a tradição, que aqui se sentavam diariamente os responsáveis em Lisboa das espionagens inglesa e alemã, inimigos no terreno durante a II Grande Guerra e que aqui procuravam ser um mais arguto do que o outro. O “bluff” seria a jogada principal.

Foi, igualmente, nesta mesa que o saudoso escritor José Cardoso Pires idealizou algumas das suas mais belas crónicas sobre a cidade de Lisboa, onde passa a filosofia dos bares e dos barmen. Foi no British Bar que deu uma memorável entrevista televisiva pouco antes de morrer.

O quase silêncio do meio-dia é seguido do forte bru-a-a já muito animado lá pelas 13 horas. Ainda bem para quem mantém a funcionar esta autêntica catedral do convívio na zona do Cais do Sodré. Somente o senhor Guilherme, engraxador, filósofo que desde há muito se habituou a ver o Mundo numa perspectiva diferente, se mantém impávido a esta movimentação, concentrado nos fulgores que vai conseguindo tirar dos sapatos que no início da sua tarefa estavam bem baços.



O British Bar exibe uma riquíssima estante de madeira, digna de uma biblioteca monumental, onde os clientes podem passar os olhos por rótulos de autênticas preciosidades, que há dezenas de anos aguardam por alguém com capacidade para os apreciar.

Mas para a grande discussão do tempo que passa, o British Bar oferece-nos na parede de fundo, oposta à entrada, um magnífico relógio inglês dos finais do século XIX, com o mostrador enquadrado por belíssimo trabalho de madeira, com as horas esmaltadas sobre medalhões de alabastro.

Mas o relógio que mais fama deu ao British Bar é muito mais singelo na sua aparência, mas extraordinário porque põe em causa a frase feita “no sentido dos ponteiros do relógio”. Relógio que já foi estrela de um filme suíço e que esteve patente no pavilhão deste país na Expo-98, pode dar origem a este diálogo:

Cliente – Este relógio está a andar ao contrário...
Silva – Não amigo... quem está a andar ao contrário é o Mundo...




quarta-feira, julho 30, 2003

adoça a vida de quem precisa

Está fortemente arreigado nos hábitos dos portugueses o cerimonial de “tomar um café”, nas mais variadas designações: um café, um cafézinho, um cimbalino, uma bica; e nas mais diversas formas de apresentação: normal, curto, italiana, bem cheio, em chávena escaldada, cortado, carioca, garoto, pingado, com cheirinho...

Tomamos café como finalizar de uma refeição, para nos descontrair, para obtermos uma maior concentração, para nos mantermos despertos e atentos ou, então, quando não sabemos o que fazer no momento.

Complemento indispensável para um bom café é o pacote de açúcar, salvo para os auto-designados ”connaisseurs” que tomam o café sem açúcar, para melhor apreciarem o sabor do “ouro negro”.

A questão que hoje aqui apresento é “quantos dos milhares de bebedores diários de café vão além do gesto maquinal de abrir o pacote e açucarar o mesmo e apreciam a pequena peça de papel que contém o dulcíssimo ingrediente?”.

Se o fizessem ter-se-iam apercebido do maravilhoso conjunto de seis desenhos impressos em pacotes de açúcar fornecidos pelos Cafés Delta e alusivos ao Ano Europeu das Pessoas com Deficiência, segundo um projecto desenvolvido pelo Governo Civil de Portalegre.

São os próprios deficientes que no âmbito dos trabalhos de desenvolvimento das suas potencialidades, integrados em diversas instituições do Distrito de Portalegre, desenharam e pintaram imagens que dão bem conta da problemática em causa.

O Comendador Rui Nabeiro, empresário sempre atento ao interesse do social, deu a importante contribuição de tornar público o resultado deste projecto com o lançamento da referida série de pacotes de açúcar.



terça-feira, julho 29, 2003

janelas abertas para o mundo - 1

Janela de Salzburgo

Salzburgo a cidade de Mozart onde se sente a cada passo a música eterna do grande compositor. Salzburgo a cidade do sal fonte de riqueza da região e onde foi buscar o próprio nome. Salzburgo a cidade das 49 igrejas onde a frontaria da Catedral foi inspirada em S. Vicente de Fora e governada durante mais de mil anos por arcebispos. As janelas de Salzburgo têm o esplendor da época, a musicalidade de Mozart, a cor eterna das flores dos Alpes sempre tão próximos e presentes.

Janela de St. Wolfgang

St. Wolfgang é uma pequena aldeia que faz parte da chamada Salzkammergut, região onde foi filmada a Música no Coração, filme que ainda hoje paira no imaginário de todos nós. As janelas de St. Wolfgang apresentam a partir de Março e até ao final da época quente maravilhosos arranjos florais. Pacientemente, no Inverno, com temperaturas muito abaixo de zero, estas flores são recolhidas e acarinhadas até à próxima Primavera.

Janela de St. Gilgen

St. Gilgen é uma pequena aldeia, não mais do que uma longa rua, situada nas margens do Lago St. Wolfgang de águas transparentes e muito límpidas com origem nos glaciares permanentes dos Alpes. A alegria e o bem estar consigo próprios apanágio dos habitantes desta bela aldeia reflectem-se nos maravilhosos jardins e arranjos florais e, claro está, nas suas belas janelas. Janelas sempre abertas em sinal de que nada têm a esconder dos visitantes que logo são considerados amigos e tratados com toda a transparência.

segunda-feira, julho 28, 2003

ondas da caparica - 1

da Costa à Fonte da Telha no Transpraia

Custa hoje algumas moedas de Euro ir e voltar de combóio, da Costa de Caparica, na Frente Praias, até à Fonte da Telha, junto ao Términus, percorrendo este longo e maravilhoso areal da Costa Atlântica. Em 19 de Junho de 1960, para a viagem inaugural do característico Transpraia, o mesmo bilhete custou somente vinte escudos.

No primeiro ano da década de sessenta, quando a Costa de Caparica se apresentava como uma muito bela estância balnear - a linda Praia do Sol, o Transpraia era o único transporte ferroviário à beira-mar, sobre um areal. Hoje, mais de quarenta anos passados, em oitocentos quilómetros de Costa Atlântica da zona continental portuguesa, apenas se criou uma imitação pobre nas Pedras d'El Rei, próximo de Tavira.

O Transpraia é um dos símbolos da Costa de Caparica. Foi seu criador Casimiro Pinto da Silva, agricultor de Santo António da Charneca, no concelho do Barreiro, apaixonado pela caça e pelo tiro ao alvo, bom viajante que traz a ideia de França, sugerida numa visita a umas minas. E a vinda até à Costa de Caparica ficou a dever-se ao médico de família que sugeriu a Praia do Sol como o local indicado para cura das amígdalas de sua filha Ana Maria da Silva, actual proprietária do Transpraia, lado a lado com o seu irmão António Manuel Pinto da Silva.

Hoje, com quatro unidades e duas máquinas alemãs Shoma, a garagem e oficinas implantadas junto à Praia da Riviera, transporta nos quatro meses da época balnear, de 1 de Julho a 30 de Setembro, trezentos mil visitantes.




A Pesca do Grande Areal

A Arte Xávega, também designada por Pesca do Grande Areal, é uma arte piscatória caracterizada pelo arrasto da rede junto à orla costeira, em fundos arenosos, praticada nas zonas de amplos areais.

Esta arte piscatória tem origem na costa norte, tendo-se iniciado no Século XVI, quando os pescadores começaram a ir ao mar largar as redes, lutando contra a rebentação das praias, cercando o peixe com as redes que depois eram puxadas a braços para o areal. Praticada nos períodos de invernia, era a única forma que os pescadores encontravam para conseguirem meios de subsistência, atendendo a que no Inverno, devido às baixas temperaturas da água do mar o peixe se encontrar a maiores profundidades.

Hoje em dia a arte xávega é praticada nas praias da Caparica, nos longos e doirados areais, especialmente, nas zonas da Fonte da Telha, das Acácias e da Frente Praia. É mais frequente nos períodos de mar calmo, sendo já reduzido o número de colónias de pescadores que a praticam como meio de daí retirarem proveito para a sua sobrevivência, antes utilizando esta arte nos períodos estivais, por prazer e tradição.

Desde há alguns anos que as autoridades, pressionadas por decisões da União Europeia, têm vindo a criar dificuldades a esta prática tradicional, evocando o facto de tratando-se de pesca de arrasto destruir os fundos e capturar peixe demasiado miúdo.



domingo, julho 27, 2003

a ocarina e a flauta

As ocarinas e as flautas são, dentro da classificação geral dos instrumentos, designados instrumentos de vento, que apresentam duas características essenciais: Têm um tubo que encerra uma coluna de ar produzido pelo executante; Têm um elemento que põe em vibração a referida coluna de ar produzindo um som.

A mais antiga ocarina conhecida remonta aos tempos da civilização Maia, estando o seu som relacionado, tal como acontece com o da flauta, com o deus Pan da mitologia grega.

É um instrumento de configuração física muito simples, donde se pressupõe, geralmente, de grande dificuldade de execução. Tal não acontece na realidade, pois a sua utilização rudimentar, como era feita na sua origem, é muito simples.

Embora adoptada pela Europa, tendo sido trazida para Itália há cerca de 500 anos, das civilizações Azteca, Maia e Inca, continua a ter a sua expressão mais original como elemento fundamental da cultura musical andina.

Quanto à flauta, referimos aqui a zampoña, que é uma flauta pânica, em honra ao deus Pan, conhecida igualmente por siku ou por antara. Enquanto a designação zampoña tem origem no grego, siku é de origem aymará e antara de origem quechua. Tal como a ocarina estas duas últimas pertencem à cultura musical andina.

A flauta e a ocarina na lenda

Conta a lenda que deus Pan se enamorou pela ninfa Siringa que passeava nos bosques dançando e caçando com seu arco e flecha. Um dia Pan perseguiu-a até que o rio Ladón lhe cortou o caminho. A ninfa vendo-se ameaçada pediu socorro às naíadas que a transformaram numa cana. Pan, muito desconsolado, verificou que o vento sibilava ao passar pela cana e pensou serem os lamentos da ninfa. Decidiu cortar a cana e uniu vários pedaços com cera, construindo assim a sua siringa (flauta) para a tocar quando a paixão e o desejo o possuíam.



sábado, julho 26, 2003

do tua à foz com a fotografia beleza

Ofereceram-me recentemente a obra "Do Tua à Foz com a Fotografia Beleza", uma edição cuidada da Lello Editores, onde são compiladas maravilhosas reproduções de vidros do espólio da Fotografia Beleza e que nos mostra a terra e as gentes do Douro em todo o seu esplendor.

Desfolhar esta autêntica obra de arte da fotografia e do grafismo é realizar uma inolvidável viagem ao âmago duma região que produz um néctar que levou o nome de Portugal ao Mundo.

Mas é, igualmente, conhecer a história e costumes, conhecer as terras e as gentes que as habitam, Conhecer os seus labores vinhateiros, as suas preocupações e as suas crenças.

Imagens na sua totalidade a preto e branco deixam à nossa imaginação usar uma paleta de cores imensa, as tonalidades de verde e de castanho e o doirado que um rio que de azul que é fulge ao sol que amadurece os bagos dando-lhes o sabor único que o bom paladar nunca rejeita.

Esta obra mostra-nos o Douro com um olhar especial. O mesmo olhar de ternura com que homens e mulheres apreciam os cachos de uva que o sol aloirou no vale cavado pelo Douro na sua permanente caminhada para a Foz. Imagens que bem podiam fazer parte de um filme de Leitão de Barros, por tão bem darem a imagem desta gente laboriosa e sacrificada, mas que sempre mantém um sorriso nos lábios.

É uma viagem de revisitação que começa no vale do Tua, desce lentamente à Régua, mostrando os rios, os seus afluentes, as margens, passando pelo Pinhão direcção à Foz do rio de oiro.

E o vestir das vindimadeiras? Trajes simples de moçoilas simples da região, mas por cujas mãos passaram os frutos que iriam dar origem ao mais delicioso néctar, conceituado universalmente pela apreciação dos maiores conhecedores.

Cabelos soltos ao vento ou protegidos por lenços de uma beleza singela. Rostos límpidos, de pureza extraordinária, concentrados no trabalho da vindima, colhendo os cachos um a um e sempre que possível retirando os bagos apodrecidos pelo tempo por forma a que nos lagares o mosto tenha maior leveza

Da vinha até ao lagar, a vindima nos socalcos e o transporte em grandes cestos nas costas dos homens curvados pelo peso da uva, sempre acompanhados pela música das concertinas que animam e ajudam a vencer as agruras do trabalho.

Tudo isto e muito mais que as palavras têm dificuldade em descrever são nesta obra magistralmente retratadas.



(cf. Do Tua à Foz com a Fotografia Beleza/ Maria do Carmo Serén/ ed. Lello / 1ª edição, Dezembro de 2002 / 263 pp.)

sexta-feira, julho 25, 2003

sabores caparicanos

No povoamento de grande parte do nosso litoral, arenoso, de acesso fácil e de mar amigo tiveram papel fundamental os habitantes de Ílhavo e seus descendentes que, numa primeira fase, para aí se deslocavam de forma sazonal para, posteriormente e com o decorrer do tempo, se irem fixando definitivamente. O litoral da Caparica foi zona incluída nessas migrações sazonais, que tinham lugar nos meses chamados da "safra", isto é Outubro, Novembro e Dezembro, onde além dos povos de Ílhavo também para aí se deslocavam outras gentes vindas do sul, especialmente, do Algarve.

Estas migrações deram origem à constituição de pequenos aglomerados populacionais, construídos inicialmente de forma precária e utilizando materiais existentes no local. Daí terem surgidos no litoral da Caparica, especialmente nas zonas hoje conhecidas por Costa de Caparica, Fonte da Telha e Trafaria construções precárias feitas com junco e colmo pelos próprios pescadores e a que largavam fogo quando, terminada a época da campanha, se retiravam para as suas terras.

Só a partir de 1770 há notícia de fixarem domicílio, com moradas de um pouco melhor qualidade, os mestres e suas companhas: José Gonçalves Bexiga, algarvio; Joaquim Pedro, de Ílhavo; Romualdo dos Santos, algarvio e José Rapaz, de Ílhavo. Anos mais tarde, fixaram-se, igualmente, os mestres José dos Santos, Jerónimo Dias, João Lopes e Manuel Toucinho.

Com o decorrer dos anos, em consequência do povoamento híbrido de gentes vindas de Ílhavo e do Algarve, foi-se criando uma cultura própria e, de igual forma, nasceu uma culinária genuína, especialmente baseada nas dádivas do mar e nos mimos das hortas da Costa e com o recurso a ingredientes simples e fáceis de conseguir, visto a população em causa ser, na generalidade, de parcos recursos financeiros.

A Caldeirada Caparicana

A Costa de Caparica é uma terra de caldeiradas. Embora as que ficaram famosas, para o grande público, tenham sido as do Ginjal, na ribeirinha Cacilhas, não há como uma boa caldeirada feita em casa de pescador. Falar de caldeirada é falar de vários peixes. Mas há muitas e boas confeccionadas de um só. As de xaputa são muito apreciadas pelos autóctones. Outros preferem as de lulas e os mais antigos as de carapau. Uma delícia é a de tramelga, peixe fino como não há outro e, por isso, conhecido pelos pescadores caparicanos como "galinha do mar".

A receita que aqui fica registada homenageia um homem, caparicano de gema, que foi pescador, banheiro e o último dos sobreviventes do naufrágio do "Pensativo", barco meia-lua, dos grandes, de 18 metros, que naufragou quando aproava a terra com nevoeiro cerrado, na crista de um vagalhão, era Dezembro de 1929, tendo feito 11 vítimas. Referimo-nos a Francisco Pinto, também conhecido por "Chico Bóia".

Caldeirada Chico Bóia, para 4 pessoas

Ingredientes
1,2 Kg. de tamboril, safio e tramelga; 8 batatas médias; 4 cebolas grandes; 4 tomates grandes; 1 pimento; i ramo de salsa; 1,5 dl. de azeite; 1 copo de vinho branco; sal e piri-piri.

Preparação
Corte o peixe em pedaços grandes e lave-os. Descasque as cebolas e as batatas. Unte o fundo de um tacho com azeite. Por cima disponha as cebolas em rodelas. Cubra com uma camada de batatas e, a seguir, com uma de tomate, ambas às rodelas. Se necessário forme várias camadas. Disponha o peixe e cubra-o com rodelas de tomate e pimento às tiras. Tempere com sal. Regue com o restante azeite, o vinho branco e junte o piri-piri. Leve a lume forte para levantar fervura. Com o lume brando, deixe cozer, com o tacho tapado. Vá sacudindo o tacho para não pegar. Logo que o pimento esteja macio, junte a salsa picada, retire do lume e sirva.

Esta caldeirada era, normalmente, servida numa malga grande, em barro, no fundo da qual se punham fatias de pão, ás quais se chamava "bóia". (uma achega do The Old Man).

quinta-feira, julho 24, 2003

alerta numa colonia naturista

"Quando a nossa caravana começou a oscilar, qual embarcação casca de noz apanhada na voracidade de um temporal, todos pensámos estar ébrios, mas quando os nossos pés ficaram molhados pela água que entrava aos borbotões demos conta da situação: toda a Ponderosa estava debaixo de água, o dique de pedras havia cedido".

Assim consta em parte do relato efectuado mais tarde pelo operador da estação de rádio CB "Lúcifer I" sobre os acontecimentos de 11 de Fevereiro de 1980, numa ilha do rio Reno.

Tratava se de um acampamento do "Clube Naturista de Rein Main" constituído por mais de três centenas de casas rolantes estacionadas numa maravilhosa zona natural, cujos proprietários habitualmente utilizavam para férias e fins de semana, vividos num ambiente desinibido e saudável.

Altas horas, quando muitos dos presentes, alguns dos quais cebeístas, confraternizavam alegremente, foram surpreendidos por fantásticas quantidades de água que descendo desde o Lago Constanza haviam feito subir grandemente o leito do rio, galgando as margens em diversas zonas do seu percurso.

Os diques construídos para protecção da ilha não resistiram muito tempo à força incontrolável da água em movimento e o seu aluimento veio agravar a situação já de si desesperada.

"Lúcifer I" conta: "Pegámos de imediato nos nossos emissores receptores da Banda do Cidadão e alertámos todos os colegas ao nosso alcance, quer os que se encontravam acampados connosco na ilha, quer algumas estações em base do outro lado do rio, algumas bem distantes".

Era impossível que lhes fosse prestado auxílio a partir das margens, tendo em conta a forte corrente provocada pela água em turbilhão que arrastava consigo detritos retirados das margens e a escuridão cerrada que a chuva e o vento tornavam ainda mais tenebrosa, muito menos alcançar a margem a partir da ilha, no entanto, a corrente de solidariedade via rádio foi estabelecida.

Para evitar maiores prejuízos os cebeístas munidos dos seus emissores receptores de CB e de lanternas de potentes focos embarcaram em barcos pneumáticos indo de casa em casa. O objectivo era alertar e pôr a salvo as pessoas e os bens mais valiosos.

Mantendo sistematicamente as comunicações através de equipamentos de CB conseguia ter-se uma noção geral da situação em toda a zona, tranquilizar os mais desesperados, dar conta da chegada de meios de socorro, organizado entre os mais voluntariosos e com maior capacidade de mobilidade.

"Fazia frio mas havia bom humor!" Comentaria “Lúcifer I” mais tarde, passados que foram os momentos de grande aflição que haviam vivido. Agora, reunidos à volta de uma caneca de café bem quente faziam o balanço de toda a agitação da noite anterior, seguindo-se uma avaliação dos estragos provocados pelos elementos naturais em fúria.

Quando pôde ser apreciada toda a extensão dos estragos; mesmo os mais afectados estavam de acordo que tudo teria sido mais grave não fora a pronta e abnegada intervenção dos cebeístas e o recurso ao meio de comunicação de que dispunham, a Banda do Cidadão que, uma vez mais, evidenciou a sua importância nas operações de alerta e salvamento.

(da série A Banda do Cidadão - CB em Acção, © Vicktor Reis)


quarta-feira, julho 23, 2003

tuas nadegas

O escultor trabalhou o róseo mármore com desvelo,
Burilou com o cinzel superfícies doces e arredondadas,
Mágico sopro divino deu vida, harmonia sem paralelo,
Às mais belas e sensuais nádegas alguma vez imaginadas.

Nádegas perfeitas, esculturais, obra de arte acabada,
Que encantam o olhar dos amantes do desejo sensual,
Maravilham o espírito, animam a mente. É a alvorada
De um dia esplendoroso, como outro por certo não há igual.

Dunas de fulgurante brilho que a mãe Natureza talhou,
No constante e sensível trabalho de sonhar e criar beleza,
Areais beijados por mares transparentes de que o poeta falou
Onde se espraiam corpos ao sol quente, dádiva da Natureza

Na doirada seara de trigo, no suave ondular das espigas,
Sonho ver nádegas de princesa, belas, perfeitas, sensuais,
A magia de uma dupla elegante e muito juntas como amigas,
Que encantam os príncipes e tantas outras figuras reais.

A suavidade de tuas nádegas são ondas de um mar de sonho
Onde o corsário navega, senhor de mares e oceanos sem fim
No desejo que é embriaguez de dulcíssimo e rubro medronho
Da descoberta de maravilhoso tesouro de sedas e cetim.



(da série Corpo de Mulher, © Vicktor Reis)


terça-feira, julho 22, 2003

flores da madeira (conclusao)

VII
Camacha, em plena serra, é ponto obrigatório de turista ir. Contudo, quando a peregrinação é feita na boa companhia de um madeirense, bem conhecedor do local, é bastante mais aliciante. A Camacha é demais conhecida pelo seu rancho folclórico e pelos trabalhos de vime. Menos conhecida, mas não menos saborosa, é a “camacheira” - poncha de preparação especial que só ali se bebe.

“O Relógio” local de venda de artefactos de vime e que tem um cantinho que é um autêntico Museu do Vime é local de visita obrigatória na Camacha. Trabalhos maravilhosos, representando animais selvagens, fazem parte desse Museu que o visitante não deverá ignorar.

VIII
Percorrendo as sinuosas estradas da serra, deixando o olhar espraiar até às profundezas dos vales onde as aldeias mais parecem miniaturas de brincar, lá vamos descendo de novo em direcção a Santa Cruz, nossa terra de eleição para base de repouso (?). Bordejando o caminho e ladeando os ribeiros tufos imensos de vime aguardam a maturação para virem a servir de matéria-prima aos maravilhosos artefactos tradicionais da região.

Lá para trás, na Camacha, deixámos inolvidáveis recordações. Além da “poncha camacheira” e dos rostos bonitos das camacheiras só comparáveis em beleza com os das maravilhosas moçoilas do Santo da Serra, ficou também “O Relógio”, verdadeiro Museu do Vime.

IX
Continuámos a descer serra abaixo. Vínhamos a percorrer o que, sem forçar a nota, poderíamos chamar “a Rota da Poncha”. Em cada curva da estrada que parece não ter rectas uma tasquinha era uma sugestão de poncha. A seguinte sempre melhor do que a anterior, o que é da tradição ou talvez fosse sugestão.

O Freitas conhece em pormenor estes locais, trata por tu os donos. O viajante é recebido com carinho, como se de um velho amigo se tratasse. E sai mais uma poncha preparada na altura.


X
Um restaurante típico construído em madeira e implantado no meio da serra é paragem obrigatória. O ambiente é agradável, ali se cruzam raças, nacionalidades diversas, num cacharolete de idiomas, de costumes, de formas de estar. Estamos no antigo quartel-general da Flama, hoje restaurante, onde a par com a bandeira inglesa ainda se vê hasteada a bandeira daquele movimento separatista já caído em desuso.

Petiscar na serra é maravilhosamente agradável. Pedaços de queijo e de presunto, azeitona saborosa, poncha fresca preparada na altura, mais dois dedos de conversa e aí está um bocado bem passado na agradável companhia de alguns amigos.


XI
Aguardar serenamente o fim de tarde na “Varanda”, ali bem juntinho ao Aeroporto Internacional, deixando a vista repousar no azul oceano interrompido pelos agradáveis contornos das ilhas desertas. Movimento intenso e habitual no aeroporto, um vai-e-vém constante de aviões das mais diferentes nacionalidades. É a calma, a tranquilidade, após um dia cheio de surpresas e alegrias.

Conclui-se, ali, das razões da calma e pachorra dos madeirenses. Percorridos os escassos quilómetros que constituem a Ilha da Madeira, segue-se o mar, amplo e profundo, inacessível à maioria dos habitantes da ilha. Porquê, então, viver com maior velocidade?


XII
Manhã cedo, o sol brilhante desperta-nos duma noite bem dormida nas cómodos instalações que o sistema hoteleiro madeirense põe à disposição dos visitantes. O chamamento da Natureza faz-se sentir numa autêntica sinfonia de luz e cor. Garajau, lugar pitoresco ali a poucos quilómetros de Santa Cruz e já a caminho do Funchal é digno de visita atenta e interessada.

A Praia do Garajau, situada numa pequena enseada à beira do grande maciço rochoso onde se ergue o Cristo-Rei, é zona de veraneio, um autêntico paraíso. É constituída por uma larga faixa de calhau rolado junto à qual foram construídas cerca de meia centena de casas de praia. A pureza do ar que lá se respira aliada à tranquilidade, só interrompida pelo rebentar das ondas, são atractivo para quem procurar um pouco de mais contacto com a natureza.

segunda-feira, julho 21, 2003

flores da madeira

I
A Ilha da Madeira, terra que é das flores e também... dos amores, é sem dúvida um dos cantinhos de Portugal mais belo, pitoresco e acolhedor. Suas gentes, caracteristicamente afáveis e carinhosas, são vivas e inteligentes, reconhecendo de imediato quem delas se abeira com amizade.

Para o continental, a viagem à “Pérola do Atlântico” é, desde o início, uma aventura. Após a descolagem em Lisboa e depois de cerca de 1 hora de viagem sobre o Atlântico azul e luminoso, já com Porto Santo à vista, o coração acelera o seu bater. O balançar das asas do avião provocado pela forte turbulência local, a visão da pista que mais parece um minúsculo porta-aviões, são sensações deveras impressionantes. Vale a perícia incomparável dos pilotos portugueses para que poucos minutos passados possa ter lugar um uff! generalizado.


II
O Aeroporto do Funchal, situado no concelho de Santa Cruz, é de pequenas dimensões mas o visitante é, de imediato, agradavelmente surpreendido por uma autêntica sinfonia de odores e de cores. São as flores da Madeira. É o primeiro jardim dos muitos que o visitante irá encontrar pelos caminhos da Madeira e acompanhá-lo-á com uma imagem inesquecível.

Nos primeiros contactos com a realidade da Ilha da Madeira o deslumbramento surge com a verdadeira rapsódia colorida de vermelho e verde do infindável número de cactos floridos que ladeiam as estradas e caminhos.


III
A melhor forma de se conhecer os recantos mais belos da Ilha da Madeira é sem dúvida viajar no “Maravilhas”. O “Maravilhas”, “marabelhas” no dizer dos madeirenses, é uma carrinha VW com mais de 20 anos de existência que pelas mão do seu proprietário, o bom amigo Freitas, percorre todas as estradas da Madeira.

Aliás, pela estrada fora, o “Maravilhas” é por demais conhecido a avaliar pelas muitas saudações que lhe são dirigidas e pela forma carinhosa como o Freitas as retribui.


IV
O roteiro gastronómico não poderia ser ignorado nesta deliciosa viagem. E falando em gastronomia logo nos ocorre as tradicionais espetadas que só em “seu sítio” têm o verdadeiro paladar. Subimos à Portela, a mais de 600 metros acima do nível do mar, para aí na “Casa da Portela” nos deliciarmos com uma espetada preparada mesmo ali à vista de todos nós. Claro, antecedendo como aperitivo tomámos uma poncha, bebida aperitivo/digestivo característica da Madeira e que muito irá ser falada nestes apontamentos.

Percorrendo as estradas de montanha, sempre acima dos 800 metros de altitude, e caminhando pelo Santo da Serra, Poiso (1410m), Ribeiro Frio, Camacha e descendo novamente até Santa Cruz, com passagem pela “Varanda”, seguimos a “Rota da Poncha”. O Freitas, nosso inseparável companheiro, lá nos levou aos locais onde melhor poncha se bebe.


V
A poncha pode ser bebida fria ou morna, é um excelente “calorífero” para compensar o frio que se sente no alto da serra. A melhor de todas é a que é preparada na altura, como se diz “ao momento”, de acordo com uma fórmula e um processo cuja origem se perde na bruma da montanha.

Receita da poncha: Mistura-se uma parte de sumo de limão com outro tanto de mel puro de abelhas. Utiliza-se um utensílio apropriado feito em madeira para conseguir a perfeita ligação dos dois ingredientes. Após o que se junta aguardente de cana em quantidade igual à da mistura antes obtida. Mais um ligeiro toque na mistura e a Poncha está pronta a servir.


VI
Quem vai a Ribeiro Frio, lá bem no alto da serra, não deverá perder a oportunidade de visitar os viveiros de trutas. Com água gelada a correr pelas veredas cobertas de fetos, esfriando mais o ambiente já de si frio pela altitude, as trutas nos diversos pontos do seu desenvolvimento são um espectáculo deveras aliciante.

Naquela altitude, inspirar profundamente o ar ambiente, húmido e rarefeito, pode provocar uma ligeira tontura, mas é sem dúvida revigorante e inesquecível por muitos anos que passem.

(continua)

domingo, julho 20, 2003

homenagem ao poeta desconhecido

Budapeste é a mais bela cidade do Danúbio (…) com uma densidade e uma vitalidade que faz frente à sua rival, Viena, escreveu Cláudio Magris.

Devido à sua história que a liga à capital austríaca ou à geografia que a faz partilhar com a Croácia a grande planície da Panónia, a Hungria parece ser o mais danubieno país da Europa central. Se os rios têm alma, a do Danúbio é, sem dúvida, magiar.

Mais ainda do que a Áustria, tornando-a sombra de si mesmo, a Hungria é, com efeito, impregnada pela civilização danubiana, com sua nostalgia dos tempos passados, anteriores aos tratados de Paz, que celebraram o fim do Império Austrohúngaro e o desmembramento da Hungria.

Foi um húngaro, o barão Miklos Wesselenyi, que imaginou dois dos mais belos sonhos à volta da velha ideia duma federação danubiana: o de uma confederação germano-magiar-eslavo-latina, que enunciou em 1842 e a de uma república federal do Danúbio, aberta a todas as nacionalidades, cuja proposta apresentou em 1949.

A verdadeira amante do Danúbio é a cidade de Budapeste, onde aquele assume o nome de Duna, com quem mantém um casamento tão perfeito como o Sena com Paris. A capital húngara é a única cidade que recebe o Danúbio com todo o seu vigor e nobreza. A única que nele se contempla sem complexos e que lhe oferece pontes com histórias inolvidáveis e cais admiráveis.

Todos os grandes hotéis estão implantados ao longo desta perspectiva fluvial. Mesmo o célebre estabelecimento termal Gellert que prefere colocar as suas cadeiras bem longe das margens do rio não pode evitar de abrir as suas pomposas janelas para este maravilhoso panorama.

A forma de melhor apreciar toda a beleza do Danúbio à passagem por Budapeste é subir até Buda e escolher um dos seus miradouros: a Cidadela, o Castelo ou o inacreditável Bastião dos Pescadores, uma muralha em pedra digna de receber o Romeu e Julieta.

Em Budapeste, o turista, grande consumidor de monumentos, passará por todos os estilos, desde o gótico ao neo-mourisco, mas demorará algum tempo a apreciar o indescritível Parlamento, um autêntico desvario de torres e campanários e um delírio de torreões muito floreados, mesmo à beira do Danúbio.

É necessário observá-lo, pelo menos uma vez, a emergir da bruma matinal para apreciar toda a sua extravagante beleza.

Os viajantes apaixonados e românticos procurarão as margens do rio e a Ilha de Margarida. Preservada ao trânsito automóvel, ela oferece relvados, matas, terraços, piscinas, mas também uma estátua… de um Anónimo, autor da primeira história do país.

Uma cidade capaz de homenagear não o soldado mas o escritor desconhecido, não é uma cidade coma as outras.

Talvez seja por isso que foi a única cidade capaz de compreender e de subjugar o rio impetuoso, para merecer a reputação de “rainha do Danúbio”.

sábado, julho 19, 2003

teus seios

Cachos de uva branca, doirada, de tão grande doçura,
Que nascem em teus ombros tão suaves e macios,
São frutos maduros que uma paixão sincera e pura
Deseja colher apreciar amar em lascivos desvarios.

A magia da Natureza esculpiu tamanha obra de arte,
Que representa as mais belas colinas do Universo,
Nelas se espraia a luminosidade do sol de Gaudi que parte
Com destino à sensualidade da mulher que eu verso.

Se flores houvesse que tanta beleza nos oferecessem,
Rosas negras, mamilos de tons que na paleta estão perdidos,
Que o desejo e o muito querer animam e florescem
Para delírio de nossos olhos e de todos os sentidos.

Na praia seriam doiradas dunas, sensuais no sentir,
Onde o mar se espraia e vem beijar com ternura sem fim,
Excitando os amantes que encontram aí o devir
Mesmo quando o pensar diz não, o coração diz sim..

Seios, belos seios de mulher apontam o infinito,
Magníficos de desejo, sensualidade e delicioso sabor,
Que de tão perfeitos, esculpidos por artista que é um mito
Criado pela alegria de viver que nos enchem de amor.



(da série Corpo de Mulher, © Vicktor Reis)

sexta-feira, julho 18, 2003

18 de julho, dia de natal

A luminosidade dos primeiros momentos da alvorada inundou-lhe o rosto marcado pelas noites agrestes mal dormidas e pelas falhas de alimentação que são cada vez mais frequentes desde que a vida e a sociedade o empurraram para a incerteza de quem não tem família nem abrigo. Saiu do torpor em que o desânimo o lançara, levantou-se com dificuldade provocada pelas artroses cada vez mais vorazes e caminhou no seu andrajoso vestir, abandonando os cartões da sua cama por uma noite aos desígnios da ventania. Ergueu o rosto e caminhou na direcção dos luminosos raios matinais.

Por essa altura, na vidraça dum moderno e luxuoso apartamento da zona alta da cidade bateram os primeiros raios de um sol que muitos chamariam de Inverno, por hesitante na sua força mas nem por isso menos luminoso. Lá dentro sentado num cadeirão, não tivera coragem sequer de se deitar na confortável cama, um homem sofria, sofreu noite fora, um desgosto que lhe batera fundo na alma, que a vida tem destas coisas mesmo para quem parece viver desafogadamente. O homem desceu os poucos degraus da escada do elegante prédio em que reside e caminhou, caminhou na procura da luz da aurora que a noite lhe havia negado.

O contador do tempo, do tempo que passa, marcaria a mesma hora da manhã no seu alvor quando a ainda ontem donzela despertou do seu sentimento de honra perdida, na sua inocência mas também na volúpia dum momento traiçoeiro, a que se seguiu o abandono às suas próprias forças que lhe faltavam. Ainda ontem flor dos olhos de seus pais, enamorada de namorado a quem sua vida confiou. Hoje, embora o hoje só agora comece a dar os seus primeiros sinais, entregue a si própria, abandonada pela família repudiada pelo ente querido... A luminosidade da invernosa madrugada deu-lhe uma réstia de sentir e de querer e movimentou-se saindo da inacção em que o desespero da solidão a lançara.

Sempre lhe pareceu não haver grandes diferenças entre a noite e o dia a partir do momento em que a doença o atacou inexoravelmente e a dor passou a ser mais forte a cada dia que passa. Tinha consigo a família e entes queridos, até quando? Mas por muito que o quisessem ajudar a dor não se partilha, pelo menos a dor física. Hoje alguém levantou o estore da janela virada a nascente e um raio de luz poisou furtivamente sobre a imaculada colcha da cama. A dose matinal de morfina pareceu retirar-lhe completamente a dor. Pediu à enfermeira uma cadeira de rodas e alguém se prontificou a acompanhá-lo num passeio matinal. Há quanto tempo que tal não acontecia.

Por entre tijolos e outros materiais de construção, as madeiras já utilizadas e algumas ferramentas dispersas o engenheiro bioquímico imigrado em país de emigrantes olhou fixamente as mãos calejadas do violento trabalho de pedreiro e sentiu-se só. A mulher e a filha de tenra idade ficaram nas terras do longe onde até o alfabeto é diferente, aguardando a boa notícia de que havia encontrado trabalho digno e dignidade pessoal. Os parcos resultados que obteve em seis meses de árduo trabalho não criaram expectativas de um vida melhor tanto mais que nem aqui se conseguiu libertar das máfias sugadoras dos ganhos e da vida. Nesta manhã, no entanto, decidiu deixar por alguns momentos a obra e ir até à cidade.

Rosto e corpo angelicais, olhar de mel fixado nos longos espaços do infinito constituem, sem dúvida, uma imagem do amor, amor sentido mas ausente, logo amor sofrido. A jovem deixou o seu olhar percorrer lentamente espaços sem fim, muito para além do seu recatado quarto de dormir. Assim, passou a noite em atroz sofrimento que mais não é do que uma forte paixão por alguém que o espaço e o tempo teimam em manter afastado. A aurora aflorava já à janela de seu quarto quando, finalmente, sentiu alguma tranquilidade, esboçando um ténue sorriso nos belos lábios de carmim. Deixou os braços do sonho, ou do pesadelo?, em doce enleio vestiu roupa simples mas aconchegante como a época do ano recomenda e saiu, saiu aos primeiros raios de sol deste dia esplendoroso.

Anos e anos de estudo e aplicação numa ânsia imensa de saber, consumiram os mais belos tempos do seu viver na luta por um futuro melhor do que a vida dos seus progenitores que tantos esforços fizeram para o manter na universidade. Este jovem agora doutor, ou engenheiro, prepara-se para enfrentar o mundo do trabalho mas as dificuldades são tantas que o mantêm em permanente aflição, a responsabilidade de passar a contribuir para o rendimento familiar e, por que não, pensar em organizar a sua própria vivência. Arranjar emprego está difícil, isso já ele antes se tinha apercebido mas sempre esperava que as promessas dos políticos, mais cedo ou mais tarde, viessem a surtir efeito. Mas nada. O desânimo abateu-se sobre as suas interrogações tornando as noites cada vez mais negras. Agora com a claridade primeira da aurora resolve sair recolher um pouco de energia que pressente haver no ar.

Caminha na noite e sem rumo procurando que não reparem na sua tez escura, duma coloração que vem dos lados do oriente, este refugiado sem refúgio, que se viu obrigado a sair da sua terra e não encontrou neste país de brandos costumes o menor sinal de acolhimento. Olha furtivamente para as pessoas com quem se cruza, na expectativa, a cada momento, de sentir sobre si o dedo acusador, terrorista, árabe, que sei eu. Porque defende a paz teve que abandonar há muito a sua terra de nascimento refugiando-se num país tranquilo da Europa. Mas na verdade não encontrou refúgio e continua uma vida ilegal e sem destino porque transporta consigo o estigma do nascimento. Vive do fruto do pouco trabalho que lhe dão, que isto está mau mesmo para os que de cá são, o que nem sempre dá para comer uma refeição diária que este nome mereça. Depois é a sopa de caridade, são os restos dos contentores do lixo, são as sobras fora de prazo dos supermercados. No caminhar da noite se fez madrugar e a cor escura do seu rosto ficou mais visível com a luminosidade da aurora.

Que estranha força, que vontade subconsciente fez que estes homens e mulheres tão diferentes no ser e tão semelhantes no sentir e sofrimento caminhassem naquela manhã para o amplo largo da cidade, sem que tivessem comunicado entre si ou a qualquer acordo houvessem chegado. No jardim verdejante do largo da cidade muitas crianças brincam alegremente, sorrisos nos lábios alegria nos rostos. E quão diferentes elas são na sua origem e iguais no seu desejo de um futuro melhor. O João, filho da terra há mais de mil gerações; O Joel, negrinho filho de pais cabo-verdianos, já eles também nascidos em Portugal; A Joice que viera na barriga da mãe quando esta chegou do Brasil; A Tatiana filha das longínquas e gélidas estepes; E tantas outras crianças que aqui se encontram nesta manhã invernal mas luminosa.

Os recém-chegados da caminhada matinal vêem seus próprios rostos iluminados não tanto pela claridade da manhã, mas mais pela alegria das crianças em despreocupadas brincadeiras. O Futuro está em suas mãos, futuro solidário e amigo, futuro da verdadeira globalização e da sentida partilha. A Esperança veio aliviar os seus sofrimentos, veio mitigar a fome e a sede, veio dar novas forças e vontade de vencer as agruras da vida.

É Dia de Natal...

quinta-feira, julho 17, 2003

uma divida de gratidao

Ultrapassaram os 250, os visitantes deste blogue no decorrer da sua ainda curta existência, número modesto comparativamente aos milhares de visitas que muitos e mediáticos blogues e bloguistas têm, mas que mesmo assim me enche de satisfação.

Tanto mais que sei que muitos dos textos atingiram, por este emaranhado caminho a que muitos chamam auto-estrada da informação e que eu ouso intitular por vereda tortuosa da informação, leitores muito importantes para o enriquecimento deste meu trabalho. Alguns dos textos publicados são passíveis de investigação e aprofundamento dos factos, o que já está a acontecer.

Seria, contudo, injusto, neste momento, para mim de grande satisfação, não deixar uma referência a um Amigo, que mantém com dignidade o FUMAÇAS, e que muito me ajudou no lançamento da Oficina das Ideias, quer incentivando a sua criação, quer ajudando no post de imagens, quer noutros segredos cujo desbravar me facilitou.

Não estou com o João (Carvalho Fernandes) no seu enquadramento político
Não estou com o João nas fumaças de charuto
Não estou com o João no verde listado de branco

Estou com ele na Amizade, na Solidariedade, na Partilha do Saber, no Espírito Democrático.

Neste dia que comemoro o um quarto de milénio, Obrigado João!

quarta-feira, julho 16, 2003

o ultimo fado de fernando mauricio

Nas minhas andanças pelo mundo, no tempo que passa sem sentirmos, deixei-me vadiar pelas casas de fado, especialmente aquelas onde se cantava o fado amador e espontâneo, em ambiente simultaneamente rasca e fidalgo, numa perfeita comunhão do querer e do sentir.

Na chamada “Linha”: Cascais, Birre, Alcabideche frequentei com alguma assiduidade O Tabuinhas, O Arreda, O Estribo e O Estribinho e pela Madragoa, em Lisboa, o Timpanas, a Cesária e o Solar da Madragoa, onde se ouvia o fado vadio até à exaustão e onde pontuavam figuras que pela sua forma de vida e pelo casticismo do seu cantar se transformaram em ícones de um imaginário fadista e da fadistagem.

Alto, elegante, com um carismático bigode foi envelhecendo neste caminho, foram-lhe despontando cãs que lhe davam mais encanto e encantando-nos com sua voz, especialmente com o fadistar de “A Igreja de Santo Estevão”. Voz profunda, olhar penetrante não demos importância ao tempo que ia passando.

Sempre pronto a partilhar a sua arte muito gostava de sair “fora de portas”, atravessar o rio e de Cacilhas, já não de burro que isso teria sido nos finais do século XIX, vir para junto do mar, e onde o fado fosse batido, num improvisado tasco de um parque de campismo ou na nobreza do Convento dos Capuchos, cantar o fado.

Mas os contadores do tempo não param, mesmo quando estamos menos atentos e não sentimos a areia da ampulheta a esgotar. Fernando Maurício foi tudo isso. A fadistagem está mais pobre. Enriquecidos estarão sempre os que tiveram o privilégio de o conhecer e de o ouvir.

um pouco de "A Igreja de Santo Estevão"

terça-feira, julho 15, 2003

vestido azul, cor de mar

primeiro tempo

Vestido bonito azul cor do mar, curto e ondulante, atrevido e sensual. De verdade, a sensualidade está no corpo de mulher que envolve, rosto e corpo angelicais, mas que resplandecem de beleza. Corpo que é uma nota musical encarcerada numa pauta de onde se pretende libertar, criando melodia.

Os requebros melodiosos da música executada por uma orquestra de admiradores exacerbam os sentidos e aumentam o erotismo. Meus olhos deliciam-se com umas belas pernas de mulher, imagem fugaz mas inesquecível.

Num requebro atrevido das ancas e num puxar da saia bem para cima, vi a maravilhosa curvatura de suas nádegas. Um afastar e aproximar constante, em passos reservados aos mais conceituados modelos, num tapa e destapa provocador, seu belo corpo desperta a minha imaginação para paraísos que pensava não existirem.

Notas musicais juntas por mãos mágicas criam melodias onde aquele belo corpo de mulher coberto somente por um vestido azul executa passos de dança carregadas de sensualidade e erotismo. Desejo tocar-lhe, desejo aproximar-me, desejo falar-lhe mas estou completamente paralisado com tamanho encantamento.

Ela muito excitada por se saber vista e apreciada não resiste. Sentou-se no banco do piano, puxou o vestido azul bem para cima onde as belas coxas terminam e num cruzar e descruzar das pernas bem torneadas deixou antever o tosão doirado da sua bonita intimidade.


segundo tempo

Vestido bonito azul cor do mar, curto e ondulante, atrevido e sensual. De verdade, a sensualidade está no corpo de mulher que envolve, rosto e corpo angelicais, mas que resplandecem de beleza. Corpo que é doirada areia que deseja ser ternamente beijado pelo rolar do mar profundo, ali tão perto.

A cálida brisa mediterrânea, o lento espraiar do mar salgado exacerbam os sentidos e aumentam o erotismo. Meus olhos deliciam-se com umas belas pernas de mulher, imagem fugaz mas inesquecível.

Num requebro atrevido das ancas e num puxar da saia bem para cima, vi a maravilhosa curvatura de suas nádegas. Um afastar e aproximar constante, em passos reservados aos mais conceituados modelos, num tapa e destapa provocador, seu belo corpo desperta a minha imaginação para paraísos que pensava não existirem.

Pequena praia recanto do paraíso, mar muito azul e doiradas areias onde aquele belo corpo de mulher coberto somente por um vestido azul executa passos de dança carregadas de sensualidade e erotismo. Desejo tocar-lhe, desejo aproximar-me, desejo falar-lhe mas estou completamente paralisado com tamanho encantamento.

Ela muito excitada por se saber vista e apreciada não resiste. Sentou-se num tronco de árvore na praia abandonado, puxou o vestido azul bem para cima onde as belas coxas terminam e num cruzar e descruzar das pernas bem torneadas deixou antever o tosão doirado da sua bonita intimidade.

segunda-feira, julho 14, 2003

henrique barrilaro ruas emergiu do meu subconsciente

No decorrer da nossa vida cruzamo-nos com pessoas nas mais diversas circunstância, algumas das quais marcam de forma indelével o nosso pensamento, a nossa forma de ser e de estar, ao fim e ao cabo, a nossa personalidade. São pessoas que entre os milhões que connosco se cruzam nunca mais esquecemos. Nem o nome, nem a figura, nem o seu saber. São pessoas cuja imagem se mantém no nosso subconsciente e que os factos e os acontecimentos tratam de trazer ao de cima ciclicamente. Acompanhamos sempre a sua vida, as suas realizações. E sentimo-las como nossas.

Nos meus quinze anos tive a felicidade de ter uma panóplia de professores, cursava então o Instituto Comercial, de uma qualidade intelectual e humana ímpares. Numa idade em que tão importante é para os jovens encontrarem referências, elas ali estavam disponíveis para a partilha de conhecimentos, para a formação humana, para ajudar ao desenho integral duma personalidade.

Ao entrarmos pela primeira vez para a aula de Filosofia fomos surpreendidos pela figura do professor, esguia, hirta, duma magreza esquelética. A irreverência da juventude logo encontrou ali uma fonte de escárnio que, por vezes, toma formas de atrocidade e violência desmedidas.

Os dias foram passando e a vontade de partilhar conhecimentos era tão forte, a compreensão para os diatribes da juventude tão profunda que naturalmente os alunos foram aquietando e bebendo até à exaustão tanto e tanto saber. Haviam encontrado, mais do que um mestre, um amigo.

Um mestre que, em tempos de ditadura tão difíceis como os de então, nunca vendeu a sua profunda formação democrática, nunca hesitou em apontar com seriedade intelectual o que a nossa sociedade levava de mal. Somente muito tarde vim a saber que suas convicções políticas eram monárquicas. Muito cedo todos soubemos que ele era um verdadeiro democrata.

Um amigo que partilhou connosco o profundo sofrer da perca de um irmão na guerra injusta que nas Colónias tinha o seu cenário. E que nos dava a mão nas nossa incertezas próprias de uma idade em que as mentes e os corpos se desenvolvem abruptamente.

Este mestre, este amigo deixou-nos. E de novo do meu subconsciente emergiu a figura ímpar de Henrique Barrilaro Ruas.

domingo, julho 13, 2003

teus lábios

Lábios sensuais que sorriem o sentir da tua alma
Vermelhos carmim de beleza e esplendor sem igual
Promessas de infindáveis carícias que a tormenta acalma
Asas de um sonho, sonho tão próximo que parece ser real.

Lábios que contam ao sorrir o que a mente quer esconder
Espelhos de profundos pensamentos, de são caminhar
Na vida que constróis com tua inteligência e saber
São guias de teu caminho no rumo do sentir e do pensar

Morangos maduros, dulcíssimos, aveludados na carícia
Dizem ternas palavras e murmuram sons de amor
Brilham como sois no firmamento do devir, qual delícia
Tamanho encantamento que me extasia com seu esplendor.

As pétalas das mais belas rosas do meu jardim
Juntaram-se em harmonia para desenhar tão bela boca
Criaram no Mundo nova maravilha de cor carmim
Obra de artista de poeta fértil imaginação algo louca.

Nas asas de um estorninho voei lonjuras imensas
Para me aproximar de linda boca belos lábios
Fiquei maravilhado preso a sensações intensas
Que me tornei um sábio entre os maiores sábios



(da série Corpo de Mulher, © Vicktor Reis)

sábado, julho 12, 2003

venham ver as acácias em flor na caparica

A partir dos princípios de Fevereiro, quando as condições climatéricas são precocemente primaveris, ou no decorrer do mês de Março, quando estas são mais adversas e teimam em prolongar a invernia, toda a zona compreendida entre as designadas "terras da Costa" e o Mar Atlântico cobre-se profusamente de um manto amarelo dourado, com o florescer do acacial.

Esta zona de vegetação, ímpar no nosso País, além da função primordial de fixação do longo areal que vai da Trafaria à Fonte da Telha, protege as fecundas "terras da Costa" da brisa do mar e serve de tampão aos fogos florestais, tendo em conta a sua fraca capacidade combustível.

Designada "Mata das Dunas da Trafaria e da Costa de Caparica", integrada na Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa de Caparica, foi instalada entre os finais do século passado e os anos 60, com a finalidade de fixar as areias de dunas móveis, estendendo-se pela zona fronteira à arriba, sendo constituída essencialmente por várias espécies de acácias (Acácia sp.), predominando a Acácia cianophyla.

Se a instalação cuidada e sistemática do acacial data de anos recentes, com existência entre os trinta e os cem anos, a sua florescência espontânea perde-se na bruma dos tempos imemoriais, encontrando-se referências lendárias dispersas, sem marco nem era determinados.

Na época da floração do acacial, quem percorre a Descida das Vacas, vindo da Charneca de Caparica na direcção da entrada para a Praia do Rei, ao virar na curva sobranceira ao mar, é agradavelmente surpreendido por uma paisagem sem igual, onde um vasto manto verde se apresenta profusamente salpicado de vários cambiantes de amarelo, dependendo do estado de maturação das suas flores.

O amarelo, contrastando com o azul do mar e do céu, com o verde da vegetação, reflectindo a luminosidade ímpar do Sol da Caparica, emana fulgores dourados que estão, por certo, ligados ao imaginário popular do ouro amoedado que enriquecia a capa da velha, uma "Capa-Rica", segundo a lenda, na origem do topónimo de Caparica.

Não é difícil de crer que a velha mulher que a lenda refere, descesse do interior onde vivia num pobre casebre até à borda d’água, até ao acacial onde colhia muitas flores douradas que transportava no interior da sua capa. Os vizinhos e outras pessoas com que se cruzava vislumbravam laivos dourados consoante a misteriosa mulher se deslocava, imaginando que transportava consigo ouro amoedado de não menos misteriosa origem. Daí à lenda foi um passo, não muito longo, por certo.

O Gabinete da Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa de Caparica tem instalado nesta zona, à beira da Praia da Rainha, um Centro de Informações que proporciona aos visitantes passeios guiados por esta maravilhosa zona, percorrendo trilhos e caminhos onde a observação do acacial é mais interessante.




sexta-feira, julho 11, 2003

prof. joaquim roque, uma vida na defesa da cultura popular e do alentejo profundo

Dados pessoais
Joaquim Baptista Roque
Nasceu a 26 de Janeiro de 1913, em Peroguarda, concelho de Ferreira do Alentejo
Faleceu a 2 de dezembro de 1995, em Lisboa
Nome da mãe: Maria Carolina Pedras
Nome do pai: João Baptista Roque

Formação académica
Seminário Diocesano, em Serpa (1926 a 1931)
Magistério(1934 a 1936)

Profissão
Chefe de Secretaria do Tribunal de Trabalho de Beja (até Novembro de 1940)
Professor primário em Cuba
Professor Primário em Ervidel
Professor Primário em Beja (1943)
Adjunto de Director Escolar de Beja (Abril de 1951)
Professor secundário (particular)
Director do Distrito Escolar de Lisboa

Obras publicadas
Alentejo Cem por Cento
Subsídios para o estudo dos Costumes, Tradições, Etnografia e Folclore Regionais
1ª Edição, Beja, 1940
2ª Edição, Ferreira do Alentejo, 1990
Câmara Municipal de Ferreira do Alentejo
195 páginas

Polemista
Recolheu e deu a conhecer à comunidade científica diversos vocábulos (p.e. RUAZ) usados com frequência no Baixo Alentejo e não registados em qualquer dicionário ou vocabulário, incluindo o da Academia das Ciências de Lisboa.

Estudos de Linguagem
Mondando em seara alheia... nos domínios da Filologia (uma denúncia de paternidade ilegítima
1ª Edição, Beja, Abril de 1945

Estudos de Linguagem II - Ainda, Roaz ou Ruaz?
resposta a uma crítica tendenciosa e mordaz...
1ª Edição - 1.000 exemplares, Beja, Agosto de 1945
Minerva Comercial
Carlos Marques & Cª. L.da - BEJA
32 páginas

Rezas e Benzeduras Populares (Etnografia Alentejana)
1ª Edição, Beja, 1946
Minerva Comercial
Carlos Marques & Cª. L.da - BEJA
117 páginas

Ciclo do Natal no Cancioneiro Popular do Baixo Alentejo

Breves Considerações sobre a “História” da Batalha de Ourique
Comunicado ao II Congresso sobre o Alentejo
15 a 17 de Maio de 1987
18 páginas

Artigos dispersos em diversos jornais e revistas:
Jornal Médico (Arquivo de Medicina Popular), Porto
Arquivo de Beja
Diário do Alentejo
Notícias de Beja
Mensário das Casas do Povo
Ourivesaria de Portugal
Revista de Portugal
Alentejo Histórico, Artístico e Monumental
Almanaque Alentejano

Com o pseudónimo Joaquim d’Aldeia
A Nossa Casa do Povo
Peça de teatro em 3 Actos
Concurso do Secretariado da Propaganda Nacional, Teatro do Povo
Representada em 1941

Com o pseudónimo Joaquim Gaspar em parceria com o Professor Abílio Gaspar (Joaquim Roque e Abílio Gaspar) uma série de livros escolares para a instrução primária:
Livro de Leitura da 4ª classe - livro moderno, devidamente actualizado, com exercícios de interpretação dos trechos, gramática e redacção. (20$00)
Vocabulário do Livro de Leitura da 4ª classe - com significados, exercícios de interpretação, gramática e redacção. (6$50)
História de Portugal para a 4ª classe - já organizada segundo os novos programas de Julho de 1968 - Colecção Santa Cruz, Atlântida Editora, Coimbra 1968.

Membro das seguintes instituições Culturais e Científicas
Centro de Estudos do Baixo Alentejo - Beja
Instituto Português de Arqueologia, História e Etnografia - Lisboa
Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura - Rio de Janeiro
Clube Internacional de Folclore - Natal (Brasil)
Sociedade Luso-Brasileira de Etnologia - Rio de Janeiro
Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia da Faculdade de Ciências - Porto

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Os meus primeiros contactos pessoais com o professor Joaquim Roque remontam ao início da década de 70 e resultaram de circunstâncias perfeitamente decorrentes da vida do dia-a-dia de todos nós.

Sendo colega de trabalho da sua filha Maria do Carmo, que na altura se encontrava grávida, proporcionou-se em determinada altura ter-lhe dado transporte no meu carro para a casa de seus pais e, consequentemente, lhes ter sido apresentado.

O decorrer do tempo, o estreitamento das relações de amizade, sou padrinho de baptismo do seu neto Alexandre Bruno, que na altura se desenvolvia no ventre da mãe, concedeu-me a grande felicidade de melhor conhecer o professor Joaquim Roque, como Homem e como Intelectual.

Os meus encontros com o professor Joaquim Roque, especialmente quando me levava até ao seu escritório do 1º andar, eram sempre extraordinariamente enriquecedores pelo manancial de conhecimentos que naturalmente deixava fluir nas conversas, que me transmitia e que eu avidamente absorvia.

Sempre transparecia das suas sábias palavras um profundo amor pelo seu rincão de origem, o Alentejo, pelas suas gentes e pelos usos e costumes que tanto o interessaram.

A sua cultura profunda, a ânsia de conhecer novas terras e novas gentes e a seriedade do seu pensamento resultaram em muitas viagens pelo Mundo, cujo regresso era sempre esperado com ansiedade para ouvirmos o muito que sempre nos trazia para contar. E de que maneira o fazia!

O Professor Joaquim Roque foi, sem dúvida, uma das pessoas que mais influíram no meu gosto pelos usos e costumes do nosso Povo; que mais me levaram a desejar compreender o valor da nossa própria região.

(a não perder: Prof. Joaquim Roque, Colecção de Folclore Alentejano, CD+libreto ed. C.M. Portel)


quinta-feira, julho 10, 2003

teus cabelos

Teus cabelos muito loiros seara de trigo ao vento
Esvoaçam imaginação de liberdade sem fim
Raios do meu sentir e do meu encantamento
São mais belos do que imagens de oiro e marfim

A cálida brisa do entardecer agita teus cabelos
Acaricia teu corpo cheio de sensualidade e sentir
Vislumbras quem assim te aprecia atentamente
Voar um sonho que é um feliz futuro e é devir

O doirado de teus cabelos é sem dúvida natural
Guardas prova com carinho no íntimo do teu ser
São frutos de uma mina de precioso metal
Que espírito e mãos de artista um dia hão-de ter

Tens cabelos que emolduram um rosto divinal
De linhas tão perfeitas que o mestre artista cinzelou
Tua expressão é terna é carinhosa é angelical
O delírio de bela imagem ao infinito me levou

O cair suave dos cabelos sobre teus ombros tão belos
Mais parece uma cachoeira de água límpida transparente
Em requebros angelicais e maneios suaves e singelos
És no Mundo a mulher mais bela doce e atraente



(da série Corpo de Mulher, © Vicktor Reis)

quarta-feira, julho 09, 2003

por terras do barrete castanho

Bucelas faz parte integrante do nosso imaginário gastronómico, desde quando tal significava uma saída para “fora de portas”, no caso concreto, para a região saloia, na procura duma deliciosa comezaina, sempre regada com bom vinho da região. Ainda recordo a tremenda bebedeira partilhada com uma boa amiga, que nos levou a passarmos o resto da tarde numa lengalenga do “ai Agostinho ai Agostinha Que rico vinho Mais uma pinguinha”, á época no ouvido de todos nós pela excelente rábula teatral da saudosa Ivone Silva com o sempre jovem Camilo de Oliveira.

Por falar em vinho, em “rico vinho”, Bucelas é uma extraordinária região vinícola, onde se impõe a casta Arinto, que dá origem a um vinho branco único, um DOC por direito próprio, que pela sua leveza e simplicidade acompanha e valoriza queijos fortes e complexos. Por que não um delicioso Niza?

A qualidade dos solos das quintas de Bucelas dão uma estirpe real à casta Arinto que se desenvolve pelo alcantilado das serranias a partir cá bem de baixo do fio de água que é o riacho do Boição, afluente de um ribeiro que aflui para o rio Trancão, com destino ao eterno Tejo.

A Quinta do Boição, uma das três quintas que em Bucelas são vinicolamente exploradas pelas Caves Velhas, as outras duas são a Quinta do Cardário e a Quinta da Ribeira, dá o nome e designação a um vinho branco com cuja prova me deliciei. E foi somente o princípio. Depois, e por esta ordem, viriam Clarete, Regional da Estremadura; Lagar Velho, DOC Douro; Quinta dos Patudos, DOC Ribatejo; e Tinta Roriz 2000, Regional da Estremadura.

De referir que as Caves Velhas nasceram do labor e imaginação de João Camillo Alves, figura incontornável do vinho português, mas cuja esposa (atrás de um homem importante há sempre uma mulher que o não é menos) nos deixou um legado ímpar, o “Bacalhau à Dna. Carolina Camillo Alves”. Quem hoje não aprecia um saboroso bacalhau assado, mergulhado em azeite e alho, servido com batatas “a murro”?

Como não há histórias sem pessoas, salvo nas fábulas, que não é o caso, aqui ficam as referências merecidas, em representação das respectivas equipas:
Carlos Fiúza, António Sousa e Pedro Rodrigues, do Jumbo Fórum Almada.
Eng. João Vicêncio (enólogo), Dra. Maria José Viana (produção), Dra. Teresa Fernandes (que tudo nos disse sobre...), das Caves Velhas.
As cozinheiras sob a batuta da Dna. Regina, julgo.



terça-feira, julho 08, 2003

viena dos meus encantamentos

Não era a primeira vez que chegava à maravilhosa capital da Áustria, contudo, o sentimento de deslumbramento sempre estava presente nessas ocasiões. Formalidades de desembarque, cumpridas com a rapidez que a situação de parceiros da Comunidade Europeia passou a proporcionar-nos, o transporte até ao centro da cidade percorrendo modernas vias e a nostalgia de deixarmos pelo caminho cortadas para locais de beleza ímpar que sempre fazem parte do nosso imaginário de viajantes e, num ápice, aí estamos envolvidos pela musicalidade que permanentemente paira nos ares de Viena.

A partir desse momento terminam as pressas, dos apressados viajantes, os nossos sentidos são completamente absorvidos pelo ambiente ímpar que se vive na cidade da música e do encantamento. Percorrer a Rigstrass é um acto de paixão e, simultaneamente, de contemplação e sempre com um fundo musical que parece permanentemente nos acompanha.
Esta encantadora rua, com 60 metros de largura e 4 quilómetros de extensão foi mandada construir por Francisco José I no local onde existia a muralha primitiva da cidade.

Beethoven, Johann Strauss, Schubert, Mozart fazem-nos companhia enquanto percorremos pausadamente o Stadpark de luxuriosa vegetação onde os autóctones e os forasteiros se juntam numa contemplação inolvidável. Mas também a estátua de Goeth e de Maria Teresa, o monumento a Sissi no Parque Público, e tantos outros locais, estátuas e edifícios do nosso imaginário.

Paramos por instantes na confluência do Rio Viena com um dos canais do Danúbio. Aqui nasceu a eterna cidade de Viena.

A magia do tempo é nesta cidade mais sensível do que em qualquer outra. O tempo flui sem que de tal nos apercebamos e logo somos despertos para a necessidade de admirar outros lugares e novas monumentalidades.

A Catedral de Santo Estevão, como muitas vezes é denominada a Stephansdom, de telhados policromos, cuja construção é riquíssima em arte medieval e renascentista, apela à nossa visita. Uma visita sempre repetida e que de cada vez nos proporciona novas visões e esplendorosas alegorias.

Quando percorremos a Rua Schuler, na direcção da Catedral e mesmo à beira deste monumental edifício, somos surpreendidos por uma enorme fila de charrets que aguardam os turistas que pretendam dar uma volta pela zona antiga da cidade em tão característico meio de transporte, puxado por elegantes cavalos. Os cocheiros, muitos do sexo feminino, estão vestidos a rigor eles de bigodes farfalhudos, elas de longos cabelos loiros.

Visitar a Catedral é sempre um repetido deslumbramento. Não podemos deixar de fazer uma referência, no meio de tamanha monumentalidade, à modesta estatuária em baixo relevo, o auto-retrato do Mestre Pilgram, com compasso e esquadro, autor do púlpito da Catedral que resistiu aos bombardeamentos da guerra, singela escultura que parece acompanhar com os olhos todos os movimentos dos visitantes. Está colocada sob a mísula do órgão primitivo.

No caminho da saída da Catedral cruzamo-nos, ainda, com a imagem de Nossa Senhora das Criadas, assim designada, por que a ela recorreu uma criada acusada injustamente de roubo, tendo-lhe sido reconhecida a inocência.

Na saída uma nova e surpreendente visão. No moderno Hans Hause, construído em 1990, espelha-se em toda a sua frontaria a imagem total da Catedral em mais um assombramento ao visitante já completamente maravilhado por tanta grandiosidade.

Esta é uma pálida imagem de Viena do nosso encantamento. O Danúbio, o Danúbio azul, o Palácio de Schonbrunn, Belvedere, a Ópera, os concertos de Mozart, o Prater, a Torre do Danúbio, o Prédio de Hunderwasse, as largas dezenas de igrejas e os verdejantes jardins e tantos outros locais que nos prendem e encantam.

Para os mais farristas, uma visita a Grinzing a um dos tradicionais heurige dos arredores de Viena, é uma ida a não perder. Que o diga o Agostinho...

Agostinho era um músico de Grinzing que além fazer música apanhava tremendas bebedeiras nos heurige onde tocava. Conta-se que no tempo da peste negra, época em que as pessoas já não conseguiam enterrar os seus mortos, pondo-os às portas para serem recolhidos por uma carroça que os levava para uma vala comum, o Agostinho com uma bebedeira de “caixão à cova” caiu à saída de um heurige e ali ficou até alta madrugada. Quando a carroça passou, considerou-o mais um morto da peste negra e lá o levou para o destino final. O Agostinho ainda esbracejou e esperneou mas já os coveiros se haviam afastado às pressas não fosse caso de serem contagiados por tão terrível doença. O Agostinho lá ficou junto dos cadáveres até ter forças para sair pelos seus próprios meios.

Consta que nunca foi tocado pela peste negra. Daí que alguém mais esclarecido deduza que quem bebe, e bebe bem, vinho de Grinzing, não apanha doença nem mesmo que seja a peste negra.



segunda-feira, julho 07, 2003

teus olhos

Teus olhos são o espelho duma alma cristalina
Que no sentir e muito querer é deveras esplendorosa.
Teu olhar é o mais belo encantamento que ilumina
O sonho de quem se abeirou de ti mulher maravilhosa.

Mergulho em teus olhos, mar de promessas sem fim
Águas profundas, cálidas e muito transparentes
Sigo o sonho de uma pérola e de um jasmim
Que de muito sentir elevaram ao infinito suas mentes

Na doçura de teu olhar me perdi e me encontrei
Olhos de mel que por tão belos, doces e sensuais
Me indicaram o rumo e a bom porto eu cheguei
Tranquilamente em puro desejo que olvidarei jamais.

Teus olhos sussurram o que a boca teima em calar
Não mentem nem escondem teus belos pensamentos
São sinceros embora tentem em doce pestanejar
Dissimular teus mais profundos sentimentos

Olhar em teus olhos enche a vida de felicidade
Seu brilho é mais forte do que a luz da Lua e do Sol
Porque contém inteligência, amor e sensualidade
E a musicalidade do belo cantar do rouxinol



(da série Corpo de Mulher, © Vicktor Reis)

domingo, julho 06, 2003

lenda da capa-rica das acacias em flor

Em tempos imemoriais, quando as terras do litoral situadas ao Sul do rio Tejo eram praticamente desertas e inabitadas, casas isoladas e pequenos lugarejos, distantes uns dos outros muitos quilómetros, constituíam a única estrutura habitacional, donde se destacavam dois povoados de maiores dimensões: um no interior, na zona mais elevada, o “monte”, e um outro, junto ao mar, a “costa”.

No interior, a vida era ganha nos trabalhos da lavoura, na produção de vinho e na exploração dos materiais que os vastos pinheirais produziam, especialmente madeiras e resina, enquanto que junto ao mar as populações se empenhavam na faina da pesca, cuja arte foi evoluindo ao correr dos tempos fruto das influências trazidas pelas correntes migratórias humanas, ora da zona dos avieiros de Ílhavo, a Norte, ora da região de Vila Nova de Milfontes, a Sul.

Conta a tradição, que de pais para filhos vem sendo transmitida, que há muitos muitos anos vivia na região interior uma misteriosa mulher idosa de quem não era conhecida família nem origem e que habitava num velho casebre, isolada de toda a restante população da zona.

Também ninguém recordava quando a velha tinha aparecido pelas redondezas e muito menos ao que viera. O mistério era agravado pelo facto de se desconhecer do que se alimentava pois não lhe era conhecido modo de vida nem fonte de rendimento e, muito menos, alguma vez fora vista na loja adquirindo bens alimentares ou outras compras.

Não tinha amizades, poucas palavras eram ouvidas da sua boca e o seu ar estranho e o desconhecimento da sua ocupação criou o mito entre a população de que ela se dedicava à bruxaria e a estranhos e inexplicáveis ritos.

Uma coisa era certa: Efectuava diariamente longas caminhadas, sendo vista em diferentes pontos da região, distantes entre si de muitos quilómetros, sempre envolvida numa longa capa que lhe ocultava as formas do seu corpo, pelo que ninguém sabia se era bonita ou feia, se esbelta ou disforme.

Na época da Primavera as suas ausências eram mais prolongadas do que no restante do ano e constava entre a criançada que nessa época vislumbravam no interior da sua capa vasta riqueza de moedas de oiro sem fim, daí dizer-se que a sua capa era rica, capa-rica.

Nos finais de Março início de Abril daquela era que a memória das gentes não reteve, sentiu a velha mulher que os seus dias do fim se aproximavam, fazendo então constar o seu desejo de que a capa de que nunca se apartava fosse entregue ao rei de Portugal para que ele lhe desse a aplicação que melhor soubesse servir o Povo.

Quando a velha mulher faleceu, poucos dias depois, a população apressou-se a dar cumprimento ao seu desejo, tanto mais que a sua fama de feiticeira não lhes permitia hesitações, fazendo a entrega da referida capa ao rei de Portugal.

Quando a capa foi presente ao rei e este verificou o seu interior encontrou-a profusamente repleta de douradas flores de acácia, colhidas no vasto acacial que ainda hoje existe na zona litoral compreendida entre a Trafaria e a Fonte da Telha.

Impressionado com tamanha sensibilidade mostrada por aquela velha mulher que tanto sofrera em vida, o rei fez constar da riqueza daquela capa, uma capa-rica, daí o topónimo hoje mundialmente conhecido por Caparica, compensando a população com a construção duma igreja, a Igreja de Nossa Senhora do Monte e confirmando toda aquela região com o designativo de Caparica.

(versão ficcionada © Vicktor Reis)

sábado, julho 05, 2003

no princípio éramos lusitanos

O povo Lusitano e o seu chefe mais famoso, Viriato, são para nós portugueses uma referência de origem, num misto de história e lenda, dando uma imagem de força e decisão, de gente lutadora e integra.

A esses tempos de antanho e ao nome do povo que habitava a zona geográfica actualmente conhecida por Península Ibérica fomos buscar a nossa segunda designação de portugueses, o povo luso ou lusitano, e até, num âmbito global e universal do uso da língua portuguesa, a lusofonia.

Sobre a figura mítica de Viriato muito se tem publicado. Terminei recentemente a leitura da obra Viriato – a Luta pela Liberdade, de Mauricio Pastor Muñoz, obra onde uma vez mais são dadas achegas e feitas interpretações a escritos de autores antigos, numa tentativa de melhor conhecer o que se passou nos séculos II e I A.C. neste território à beira-mar plantado.

Na interpretação do autor, duas ou três conclusões é importante reter, discutíveis como todas as que sobre o tema têm sido tiradas, numa grande escassez de referências por autores antigos e escassez ainda maior de elementos concretos encontrados no terreno, fruto igualmente do pouco que tem sido cuidado este tipo de investigação.

Fisicamente, Viriato era um homem robusto, enérgico e ágil, frugal na sua alimentação e com uma necessidade de dormir muito reduzida.

Espiritualmente, era um autêntico “bom selvagem”, justo e fiel à palavra dada, desprezando em absoluto o luxo e o conforto, partilhando todos os seus pertences reservando muito pouco para si mesmo.

Viriato, de caçador converteu-se em ladrão, depois em general e imperador, e se fortuna tivesse tido a rei teria chegado.

Viriato é ladrão e chefe de ladrões. É chefe militar e chefe de um exército. Não foi rei mas esteve muito próximo da realeza.



(cf. Viriato, a Luta pela Liberdade / Mauricio Pastor Muñoz / ed. Ésquilo / 1ª edição, Abril de 2003 / 238 pp.)

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